FOLHA DE SP - 17/05
Há terapeutas que simplificam o pedido dos pacientes e os dispensam na primeira melhora
Na segunda dia 7, a Folha publicou uma entrevista com um jovem psicoterapeuta nova-iorquino, Jonathan Alpert, autor de um artigo polêmico nas páginas de opinião do "New York Times".
O artigo opunha a terapia "de resultados" (e milagrosamente rápida) de Alpert às terapias longas, praticadas por outros terapeutas de várias obediências. Muitos colegas (dele e meus) sentiram-se incomodados.
As respostas de Alpert têm um tom de autopromoção, que inspira uma certa vergonha (não nele, claro, mas em quem lê). No entanto, à primeira vista, elas são mais triviais do que chocantes.
Alpert apresenta a novidade de sua maneira de clinicar, que consiste, por exemplo, em colocar metas, definir o número de sessões para chegar até lá e avaliar o processo regularmente. Ora, qualquer um que clinique nos EUA faz isso com cada paciente -é o que pedem as seguradoras para aprovar um tratamento: diagnóstico, proposta de um número definido de sessões, meta terapêutica, reavaliação periódica.
Enfim, a "novidade" efetiva é que terapeutas e seguradoras sabem que as metas de um tratamento mudam ao longo da terapia, enquanto (descobri depois) os pacientes de Alpert, misteriosamente, parecem ter sempre pedidos iniciais claros e inalteráveis. Nunca vi coisa igual.
Outro tema: Alpert não gostou de "O Segredo", o best-seller de autoajuda de Rhonda Byrne. Ele acha que desejar intensamente não basta: para conseguir o que a gente quer é preciso agir e ter o acompanhamento de um terapeuta como Alpert, que nos diga o que fazer. Em suma, Alpert gostaria que seu livro fosse "O Segredo" que funciona -OK.
No mais, Alpert acha que os praticantes de terapias longas desperdiçam seu próprio tempo e o de seus pacientes, enquanto ele garante mudanças radicais em 28 dias. Eu adoraria poder curar quase tudo em 28 dias e decidi ler o livro de Alpert, "Be Fearless - Change Your Life in 28 Days" (no Brasil, no fim do ano, pela Sextante, como "Seja Destemido - Mude Sua Vida em 28 Dias" ou algo parecido).
Sinto em dizer: o livro é um desastre, inclusive do ponto de vista da terapia cognitivo-comportamental, que Alpert professa em tese, mas da qual ele parece ter esquecido algumas lições essenciais. Em geral, as terapias cognitivo-comportamentais são mesmo mais rápidas do que as terapias dinâmicas (como a psicanálise), pois elas são focadas em identificar e corrigir pensamentos disfuncionais, ou seja, pensamentos negativos, avaliações e crenças erradas, que são fonte de transtornos psicológicos.
Ora, Alpert se esquece de que um tratamento cognitivo-comportamental DEVE continuar por bastante tempo depois de seu eventual sucesso, porque medos e fobias, mesmo "curados", são reativados facilmente por novos gatilhos de estresse; ou seja, qualquer tratamento cognitivo inclui um (longo) treinamento para administrar o estresse futuro.
Além disso (e muito mais grave), na pressa de seduzir seus pacientes, presentes e futuros, com a promessa de um milagre, Alpert lhes retira qualquer complexidade: todas as dificuldades, amorosas, profissionais ou existenciais, são efeito de um medo (medo de mudar, medo de avançar na vida etc.) -ou seja, para Alpert, não há conflitos de desejos opostos, nem desejos nefastos, nem escolhas propositalmente sofridas: os pacientes só querem namorar com alguém legal e subir na vida. Eles apenas têm medo, e disso logo Alpert vai se ocupar.
Na semana depois da publicação da entrevista, quatro pacientes chegaram ao meu consultório angustiados pela ideia de que eu poderia desistir deles, mandá-los embora alegando que eles estão melhor e já passaram dos 28 dias.
A angústia de meus pacientes pode nos indicar qual é o problema de Alpert. Talvez ele não seja nem inexperiente, nem mal treinado, nem inculto; talvez, apesar de sua jovem idade, ele esteja, sobretudo, já cansado.
O exercício da psicoterapia não é gratificante: a persistência do sofrimento psíquico é grande, o próprio desejo de um paciente se curar é incerto, e os caminhos da cura são tortuosos (e misteriosos, mesmo quando a gente consegue se engajar neles). Não estranha que um terapeuta, no meio disso, prefira simplificar ao máximo o pedido de seus pacientes, dar-lhes alguns conselhos, fazê-los sorrir e logo mandá-los embora, depois de 28 dias -rápido, na primeira melhora, ilusória ou não.
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