domingo, maio 13, 2012

Sem novidade e com novidade - JANIO DE FREITAS


FOLHA DE SP - 13/05/12


A CPI limitou-se a ouvir o que está nos relatórios que deveria ler. Mas à sua volta as coisas se complicam mais



Tudo o que foi dito pelos delegados federais Raul Marques de Souza e Matheus Rodrigues, como primeiros depoentes na CPI do Cachoeira, já estava à disposição dos congressistas nos relatórios e documentos legíveis na sala contígua à comissão.

Sem utilidade para a CPI, apesar disso os dois depoimentos foram a única atividade objetiva da comissão no decorrer da semana. A utilidade foi para os meios de comunicação, embora esperassem mais, e para os contrários ao inquérito.

Nem as intenções de vingança, aproveitando a CPI, andaram bem. A acusação dos dois delegados, sempre repetindo seus relatórios, ao procurador-geral da República, desdobrou-se em pequeno bate-boca iniciado pelo próprio Roberto Gurgel. Futuro acusador no julgamento do mensalão, o procurador-geral atribuiu a acusação e o desejo do PT de convocá-lo ao "medo dos mensaleiros". Ou seja, ao propósito de intimidá-lo, ou algo por aí.

Puxada pelo PT, a CPI aprovou requerimento para convocação de Gurgel. Mas veio logo o sinal de que sua recusa a depor tem defensores no Supremo Tribunal Federal. E é o STF que decidirá se o procurador-geral tem ou não que depor.

A outra discussão colateral é em torno de convocação do jornalista Policarpo Junior, de "Veja". Indicações da Polícia Federal apontam pessoas ligadas a Cachoeira como fontes do jornalista, para reportagens da revista contrárias aos governos de Lula e de Dilma. Não há relato de conduta ilegal do jornalista, mas o PT e suas mágoas nem desistem nem optam pela convocação: discutem, sim ou não. Ao menos o relator Odair Cunha, petista porém mineiro, não a incluiu na sua programação de depoimentos.

Mas nem discussões há sobre a convocação que deveria existir desde o primeiro momento. Muitos poucos falam nela. É a convocação de quem deponha sobre a Delta Construções. Não só o seu "ex-dono", Fernando Cavendish. Também os demais diretores, todos, e o pessoal de cálculo, de orçamento, de relações com os clientes, seus engenheiros. É fundamental saber que relação, afinal de contas, Cachoeira tem com a Delta e Fernando Cavendish, e como operaram. Daí tende a vir muita coisa.

Mas não só esse aspecto interessa. A Delta teve um crescimento anormal e em poucos anos, explicado por conhecedores da sua área como fruto de truques de licitação e por multiplicação bem azeitada dos valores no correr da obra. Para clientes sempre oficiais, de diferentes instâncias e setores governamentais. Dinheiro público, portanto.

A pretexto de não interromper obras da Delta para diferentes governos, foi feita de repente, na última semana, uma venda da empresa, tão interessante que repassa bilhões sem custar centavos.

Pode ser uma cobertura para a não identificada relação de Cachoeira com a Delta, ou com Cavendish, ou com ambos. Pode ser proteção para a fortuna que a Delta lhes tenha dado. Pode ser muita coisa. E, vendida, a Delta assumiria ares de empresa séria e deixaria de estar sob acusações e inquéritos.

A CPI limitou-se a ouvir o que está nos relatórios que deveria ler. CPI da preguiça e do tempo inútil. Mas, para equilibrar o jogo, à sua volta as coisas ficam mais complicadas. E não estão escritas nem faladas: há que buscá-las ou desmoralizar-se, por complacência com Cachoeira, Cavendish, Delta e associados.

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