sexta-feira, abril 27, 2012
O "São Sebastião" dos petistas - DENISE ROTHENBURG
Correio Braziliense - 27/04/12
Há uma turma da ala majoritária do PT que se sente completamente escanteada no governo Dilma e há quem diga que, mais cedo ou mais tarde, essa corda vai arrebentar
Todo mundo conhece a história de São Sebastião. No século III, ao servir ao imperador Diocleciano, num tempo em que os cristãos eram perseguidos, terminou amarrado em uma árvore, todo flechado por não negar a sua fé diante do imperador. Muitas imagens o retratam com duas flechas no peito e uma perna. O deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP) pode não ter nada de santo. Nem nasceu em 20 de janeiro, dia do santo. Mas entre os petistas, há quem veja flechas em seu peito, cravadas pela presidente Dilma Rousseff. Daí, a comparação.
A primeira delas o atingiu no peito, quando o então líder do governo se viu obrigado a desistir da disputa pela presidência da Câmara, em dezembro de 2010. Na época, o atual líder do governo, Arlindo Chinaglia, saiu da corrida para apoiar o gaúcho Marco Maia. Depois, foi a briga pelo lugar de Luiz Sérgio (PT-RJ) na Secretaria de Relações Institucionais.. Lá estava Vaccarezza cotado para o posto. Terminou perdendo a vaga no primeiro escalão para a ex-senadora Ideli Salvatti (SC).
Há menos de dois meses, Vaccarezza foi apeado da liderança do governo na Câmara para dar lugar justamente àquele que desistiu da disputa em favor de Marco Maia. Esta semana, Odair Cunha (PT-MG) assumiu a relatoria da CPI que investigará as relações entre Carlos Cachoeira e autoridades públicas. Mais um flecha em direção a Vaccarezza. A turma dele está anotando tudo no caderninho.
Por falar em turma...
Vaccarezza teve papel importante na condução do PMDB da Câmara para o governo Lula, logo depois do processo do mensalão. Ajudou a construir a vitória de Arlindo Chinaglia a presidente da Câmara no início de 2007, primeiro ano do segundo mandato de Lula. Foi um dos fiadores do compromisso de apoio ao nome do PMDB para suceder Chinaglia no biênio seguinte. Assim, Michel Temer virou presidente da Câmara e dali à vaga de candidato a vice na chapa de Dilma foi um pulo. Talvez por isso Dilma o olhe tão de soslaio, às vezes.
O ex-líder do governo é visto como alguém que, nos últimos tempos, trabalhava mais para o PT do que para o governo. Algo que muitos presidentes não toleram. No Planalto, houve quem tivesse receio de que Vaccarezza, entre o PT e o governo, ficasse com o PT. Odair Cunha, além de ser sangue novo no pedaço sem tantos laços com o PMDB, é mais de trabalhar nos bastidores e é visto como bastante talentoso nessa seara.
O problema é que, dentro do PT, aquela velha guarda que protegeu e ajudou Lula no período pós-mensalão — e que foi fundamental para ajudar o partido a reconquistar a Presidência da Câmara em 2007 — está se sentindo meio escanteada no governo Dilma. A impressão que parte do PT tem é a de que Dilma, não se sabe se com o aval de Lula ou não, faz um processo de transferência do bastão petista a uma nova geração, dando um chapéu na turma que pretendia adquirir mais protagonismo dentro das hostes partidárias. Isso explicaria ainda a substituição do presidente da Petrobras, Sérgio Gabrielli, e alguns diretores.
Por enquanto, essa turma do PT que se sente meio de lado não tem armas, nem espaço para se impor. Mas a vontade de ganhar um lugar no palco está grande. Eles apenas aguardam a hora certa de tentar cavar esse espaço. Por enquanto, apenas registraram a saudade que sentem de Lula. Mas ações virão. O tempo é de observar.
Por falar em saudade...
Quem viu o documentário Pela primeira vez, do fotógrafo Ricardo Stuckert — sobre o emocionante momento histórico da posse de Dilma e a saída de Lula com uma popularidade estratosférica — não deixou de perceber o sumiço de Antonio Palocci nas imagens da posse. O então ministro da Casa Civil que, naquele 1º de janeiro de 2011, era o mais importante do governo, simplesmente, ficou de fora, como muitos demitidos ao longo do último ano.
Mas o filme tem neste momento um mérito político, muito além das belíssimas imagens em 3D, da emoção da posse de Dilma, da despedida de Lula e do encontro entre José Sarney, Lula e José Alencar — que não participou da posse porque estava hospitalizado. O documentário vem bem a calhar como forma de recordar a todos os petistas, inclusive àqueles que se sentem flechados, que Dilma e Lula, por mais que tenham estilos diferentes, são partes de um mesmo projeto que está em curso. E, na visão de Lula, cabe a todos ter juízo e não comprometer essa construção para o futuro. Dilma é hoje a timoneira desse projeto e não — como ela sempre diz, ironizando, "uma mulher dura, cercada de homens meigos" ou santos.
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