sexta-feira, abril 27, 2012

Experiência não conta? - BARBARA GANCIA

FOLHA DE SP - 27/04/12


A sociedade civil vai se mobilizar ou serão as construtoras de sempre (e as de ocasião) a dar as cartas?
NA QUARTA-FEIRA, estive no Insti­tuto Tomie Ohtake sabo­reando delicadezas como o minicamarão ao molho curry e o kibinho de beringela para celebrar o "Freedom Day", data que neste ano marcou os 18 anos da 1ª eleição pós-apartheid na África do Sul, que levou Mandela ao poder.
Os quitutes estavam daqui, ó, e a ocasião não poderia ser mais opor­tuna para trocar experiências so­bre como organizar uma Copa do Mundo, tendo em vista que o Con­sulado da África do Sul aproveitou a festa para lançar um livro impor­tante: "Reflexões e Oportunidades - Design, Cidades e Copa do Mun­do" com a presença da autora, Zahi­ra Asmal, uma urbanista que se es­pecializa no impacto que megae­ventos geram nas grandes cidades.
Entre uma bocada em um minirro­linho primavera e outra em um croquete de palmito (sim, eles exis­tem!) descobri que Zahira trabalha com uma abordagem chamada "design thinking".
Conhece não, meu ilustradíssimo leitor? Então pense: obra do Mi­nhocão, de Paulo Maluf, Transa­mazônica e obras apressadas da construtora Delta. Trouxe os ele­fantes brancos ao primeiro plano mental?
Agora comece a ouvir uma sirene imaginária tocar bem alto no seu ouvido. "Design thinking" é a antí­tese, o extremo oposto, desse gro­tesco que eu lhe propus imaginar. Arranque esse inferno de concreto inviável da mente e conceba um mundo em que os melhores pensa­ dores pudessem opinar na hora de construir uma via, uma praça, uma escola, um estádio, um aeroporto, uma usina, quem sabe, que não fos­se em Belo Monte.
O livro de Zahira explica que "de­sign thinking" significa organizar de maneira sustentável. Calma. Eu sei que dá sono cada vez que ouvi­mos a palavra. Mas, neste contexto, não estamos falando exatamente do mesmo "sustentável" do saqui­nho de supermercado.
Para construir uma linha de me­trô que irá ligar o estádio ao centro, o "design thinking" propõe que não prevaleça apenas a vontade de en­genheiros e agentes públicos, mas também sejam ouvidos historiado­res, antropólogos, técnicos do ter­ceiro setor, economistas, sociólo­gos, juristas, enfim, uma gama de especialistas, para que eles avaliem como o projeto resistirá à passa­gem do tempo.
"A África do Sul está em posição privilegiada", diz Zahira. "Temos a experiência de ter sediado o tor­neio e podemos compartilhá-la." Nós já estamos vendo Itaquerões e Itaquerinhos brotando por aí e continuamos sentados de braços cruzados. O que estamos esperan­do? A sociedade civil vai se mobili­zar ou mais uma vez serão as cons­trutoras (as de sempre e as nascidas de ocasião) a dar as cartas?
Em Londres, só para dar um exemplo de solução de urbanização que derrubou barreiras e integrou a cidade, há uma lei que obriga cada área nobre a acolher X metros de "public housing", de "moradias pú­blicas". É um passo ousado, que tal­vez nem caiba discutir aqui. Já ima­ginou alguns andares das torres em cima do shopping Cidade Jardim serem cedidas à CDHU?
Por enquanto, melhor ficar com uma pergunta mais simples: como é possível, em sua principal come­moração, que o Consulado do país que recebeu a última Copa, situado na cidade mais importante do país que irá abrigar o próximo Mundial, não tenha sido prestigiado por ne­nhum jornalista esportivo, grande arquiteto ou autoridade municipal, estadual e federal de peso? Será que ficaram todos em casa assistindo na TV o desenrolar do caso Delta?

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