FOLHA DE SP - 15/03/12
Queda da taxa Selic pressiona governo a rever remuneração da caderneta, mas mudança precisa ser bem explicada e feita de forma paulatina
O tabelamento da taxa que remunera aplicações na caderneta de poupança foi até bem pouco tempo uma extravagância tolerada. Distorções maiores, como juros básicos exorbitantes, o relegavam à condição de problema menor.
Quanto mais progresso houver na economia brasileira, porém, mais saliente será o empecilho representado pela regra atual da poupança. Os juros da caderneta em breve podem prejudicar os efeitos benéficos da queda da taxa de juros básica da economia (Selic).
A fim de realizar seus negócios, as instituições financeiras captam recursos no mercado. Caso a remuneração da poupança permaneça tabelada, não teriam como tomar recursos a uma taxa inferior à da caderneta, ainda que os juros básicos da economia fossem baixos.
Portanto, o custo dos empréstimos para os clientes dos bancos permaneceria alto. A remuneração da caderneta tornar-se-ia, assim, um piso para os juros no país.
Um outro problema seria a distorção do emprego dos fundos levantados pelos bancos. As instituições financeiras devem aplicar 65% dos depósitos da poupança em crédito imobiliário. A canalização excessiva de investimentos para a poupança, com o atrativo de juros altos demais, tornaria escassos os fundos para outros fins.
Distorção adicional: a rentabilidade da poupança tenderia a desviar recursos dos fundos de investimento oferecidos pelos bancos.
Em sua maioria, os recursos dos fundos são aplicados em títulos da dívida pública. Ou seja, bancos e seus fundos são só intermediários de empréstimos do público para o governo. Fundos com alto custo de administração já rendem menos que os 7,1% anuais da caderneta, isenta de tributos e taxas, e com isso perdem investidores.
Na hipótese ainda distante de uma migração maciça dos fundos para a poupança, haveria menos recursos para financiar a dívida pública. Isso poderia criar instabilidades que acabariam por ameaçar a própria queda dos juros básicos.
O governo argumenta que a mudança na poupança não é urgente -argumento em parte aceitável, de outra parte derivado do desejo de evitar comoção popular em ano eleitoral. A taxa de referência Selic, diz o governo, ainda não seria baixa o suficiente para tornar indigesta a maioria dos fundos que investem em títulos públicos. Além disso, o perfil do investidor da poupança seria "popular" (com poucos recursos e mal informado).
Em suma, a tese do governo deixa de lado o problema de fundo: a remuneração tabelada da poupança tende a se tornar um piso para as taxas de juros, ainda que a tendência da Selic seja de queda.
O governo ainda tem tempo para fazer uma mudança que respeite contratos e seja bem explicada e paulatina. Trata-se de remunerar a caderneta por uma taxa atrelada à variação da Selic, regra que valeria só para os novos depósitos. Uma proposta razoável, mas que o Planalto hesita em lançar na praça.
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