O GLOBO - 15/03/12
Os dois principais motores da economia mundial estão dando sinais contraditórios. A China continua sendo a economia mais acelerada do mundo, mas o Banco Mundial alertou recentemente que o modelo de crescimento chinês é insustentável e o governo revisou a previsão de alta do PIB para 7,5%. Os Estados Unidos estão com uma recuperação mais sólida, mas o clima ainda é de cautela porque a cada número bom corresponde uma ressalva.
Pela primeira vez em oito anos a meta de crescimento chinês foi revista para baixo. Depois de surfar no longo período de expansão mundial dos anos 2000, das bolhas nas economias americana e europeia, os chineses resistiram no começo, mas já estão sentindo a crise. Nos Estados Unidos, o ânimo gangorra a cada número. O desemprego caiu, mas o inverno este ano foi menos rigoroso. Isso ajuda a criar empregos, mas não significa melhora nos fundamentos. Foi o terceiro mês seguido de mais criação de vagas do que se esperava. Em fevereiro, foram 227 mil. A taxa de desemprego ficou estável em 8,3%. O preço da gasolina subiu, e isso sempre tem impacto na renda disponível das famílias, como se viu no ano passado.
- Há sinais mais sólidos de recuperação, mas nada espetacular. O mercado de trabalho, a indústria, a confiança dos consumidores tiveram melhoras. As bolsas subiram fortemente e alguns setores estão em recuperação, como o varejo, mas o setor financeiro ainda sente o impacto da crise europeia - diz o economista Raphael Martello, da Tendências Consultoria.
O índice Dow Jones atingiu na terça-feira o valor mais alto desde 2007. O S&P chegou ao nível de 2008, e o Nasdaq superou os 3 mil pontos pela primeira vez em mais de uma década.
Os economistas projetam alta no PIB chinês entre 7% e 9% nos próximos anos. De 2003 a 2007 ficou entre 10% e 13%. A mudança de marcha coloca os chineses mais próximos do ritmo indiano. Isso terá reflexo nos preços de vários ativos da economia mundial, como as commodities que o Brasil exporta. A queda das commodities já afetou o preço das ações das empresas brasileiras exportadoras, mesmo num ano de alta nas bolsas.
- A recuperação da cotação das commodities em 2012 está sendo interrompida, e em alguns produtos até mesmo sendo anulada pela redução da meta chinesa - disse o presidente da AEB, José Augusto de Castro.
O aviso de que a China crescerá menos mostra que ela foi afetada pela economia mundial, acredita o economista Paulo Bittencourt, da Apogeo Investimentos. A China projeta alta de 10% nas exportações este ano, abaixo dos 23% de 2011. Em fevereiro, o governo divulgou que houve o maior déficit comercial mensal no país desde 1989: US$ 31 bilhões.
- Tudo funcionou muito bem enquanto o mundo estava bem. Mas o governo chinês entendeu que a economia mundial ficará um bom tempo crescendo pouco e que depender de exportações é um imenso risco. O Brasil exportou menos carne para a Europa em 2011. Imagine o que está acontecendo com os produtos manufaturados chineses - disse Bittencourt.
A China, como se sabe, quer depender mais do mercado interno, mas a transição não é rápida. O consumo das famílias chinesas corresponde a apenas 33% do PIB, muito abaixo do de outras economias. No Brasil e nos EUA, a taxa fica em torno de 66%.
- Para que a China cresça via consumo interno é preciso aumentar o poder de compra da população. Mas há uma preocupação sobre os efeitos dos aumentos de salário na competitividade da indústria. Se o yuan for valorizado fortemente, os exportadores perderiam duas vezes, via custo de trabalho e câmbio menos favorável - disse Rodrigo Maciel, da Strategus consultoria.
Os estímulos que o governo chinês deu à economia em 2009, logo após a quebra do Lehman Brothers, não devem se repetir agora. Eles aumentaram os gastos públicos e a concessão de crédito, o que alimentou bolhas e elevou a inflação.
Os investimentos em infraestrutura serão um pouco menos intensos neste novo modelo de crescimento chinês. O governo já espera uma redução no ritmo de criação da empregos nas cidades, de 12,2 milhões, em 2011, para 9 milhões em 2012, o que significa menos migrantes do que se esperava e um crescimento menor da pressão sobre a infraestrutura urbana.
- Esse é um risco para o Brasil porque afeta o consumo de minério de ferro. As negociações de preço são trimestrais e serão um bom indicador sobre os efeitos que haverá sobre nós - disse Bittencourt.
O Brasil tem um déficit em conta corrente de US$ 60 bilhões e uma reversão nos preços das commodities pode diminuir nosso saldo comercial e agravar ainda mais o buraco nas nossas contas externas.
Nos últimos anos, o Brasil saiu de um superávit para déficit comercial com os Estados Unidos, porque a crise reduziu as exportações. Neste momento, é hora de fazer esforço para ocupar de novo espaço na economia chinesa e ficar atento à desaceleração que pode nos afetar. Não há o que fazer, esses dois puxam o mundo.
Nos próximos dias eu vou tirar um pedaço das minhas férias. Vocês ficarão com a jornalista Regina Alvarez. Não demoro.
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