O ESTADÃO - 17/03/12
A parte que cabe à presidente Dilma Rousseff nas desavenças do governo com a assim chamada base aliada já foi exaustivamente exposta.
Vai desde o seu temperamento impositivo à aparente relutância a dominar os códigos da política, passando pela incompreensão do fato elementar de que, nas sociedades democráticas, a propensão para o entendimento com os partidos e o Parlamento, mais do que um atributo subjetivo dos governantes a ser usado em proveito próprio, é condição de legitimidade de seus atos e matéria-prima para a construção da sua liderança. No entanto, as carências da presidente não esgotam a narrativa de seus percalços políticos.
Eles resultam também do fardo que Dilma herdou do mentor Luiz Inácio Lula da Silva e da natureza do jogo político no Brasil. Para ajudar a elegê-la e ajudá-la, no poder, a aplastar a oposição, o então presidente montou e se tornou fiador da mais derramada coligação partidária da história nacional. Entre agremiações grandes, médias, pequenas e nanicas, nada menos de 18 subiram (ou acharam que subiram) a rampa do Planalto com a criatura política do líder que investiu o seu imenso carisma, popularidade e desenvoltura no uso da função para perpetuar nas instituições de governo a supremacia do esquema de sua lavra. À frente situacionista se juntaria, tão logo nasceu, o PSD, que não é de esquerda, nem de direita, nem de centro, mas de Gilberto Kassab, o prefeito paulistano.
Haja bocas a sustentar - ainda mais quando a expectativa por verbas e cargos é tudo o que aproximou da nova presidente a esmagadora maioria dos membros da coalizão de governo. Excluem- se dos aspirantes a comensais as microssiglas, fadadas a se satisfazerem, se tanto, com as migalhas do banquete, e, naturalmente, o PT, o dono dos comes e bebes. Mal acostumados com a mão aberta de Lula no segundo mandato - no primeiro, a sua gente preferiu comprar apoios com metal sonante mesmo, com os resultados conhecidos do mensalão -, os aliados deram de cara com a sovinice da sucessora. Acrescentando insulto à injúria, ela ainda demitiu uma penca de ministros, embora a contragosto, e estabeleceu uma antinomia humilhante para a politicalha em geral: ela, a faxineira; eles, o entulho.
Não fosse a maioria parlamentar tão desprovida de decoro, e fossem os motivos do estranhamento com Dilma divergências substantivas de orientação governamental, as tensões que transbordam do noticiário de Brasília mereceriam ser levadas a sério. Em vez disso, prevalece a imagem de uma chefe de governo cujas limitações avultam diante dos arreganhos de uma tigrada ávida por se lançar sobre os meios que lhes garantem a sobrevivência: a alocação de verbas para os seus feudos e a partilha do Planalto. A crise aberta com a demissão dos líderes do governo na Câmara e no Senado teve novo lance quarta- feira com o "rompimento" da bancada do PR no Senado (7 cadeiras em 81) com a presidente. O episódio é de livro de texto.
Em junho do ano passado, uma barragem de denúncias atingiu o Ministério dos Transportes em posse do partido desde os anos Lula. O escândalo derrubou, além de 15 suspeitos, o titular da pasta, o senador licenciado Alfredo Nascimento, homem forte da legenda. No seu lugar Dilma nomeou o economista Paulo Passos, também do PR. Mas os caciques da sigla nunca o aceitaram como ministro, por não ter sido indicado por eles. O governo, por sua vez, vinha evitando dizer não, com todas as letras, à pretensão perrepista de emplacar outro correligionário.
O caldo entornou de vez depois que a ministra de Relações Institucionais, Ideli Salvatti, riscou, um a um, os nomes de uma lista que lhe apresentara o líder da legenda no Senado, Blairo Maggi.
"Cansei", reagiu o rei da soja. "PT saudações." Não por acaso, um dia antes o governo havia escolhido Eduardo Braga, do PMDB, para seu líder na Casa. Nascimento e Braga são adversários na política amazonense. O cansaço de Blairo, porém, tem conserto. Ele tomou o cuidado de bater a porta na cara do Planalto e mantê-la entreaberta. Disse, com a naturalidade com que seus pares embaralham esfera pública e ambições privadas, que o PR "não abre mão" de voltar aos Transportes. Mas disse também que, se a presidente, afinal, ceder, o partido voltará a ser governo.
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