sábado, março 17, 2012
A essência das enciclopédias - HÉLIO SCHWARTSMAN
FOLHA DE SP - 17/03/12
SÃO PAULO - Há algo de melancólico na decisão da Encyclopaedia Britannica de pôr um fim a suas edições em papel. É como se o sonho de reunir numa única obra física todo o saber da humanidade tivesse morrido.
OK. Era um sonho tolo e que começou a naufragar ainda antes de o primeiro verbete ser criado. É que o próprio termo "enciclopédia" surge de um erro. Copistas latinos que não dominavam o grego derraparam ao transcrever a expressão "egkýklios paideía" ("educação regular", as artes e ciências que todo grego bem-nascido deveria saber) como "egkuklospaideía". Essa forma bastarda deu à luz a palavra latina "encyclopaedia" e seus filhotes em outras línguas.
A mais antiga enciclopédia conhecida é a de Plínio, o Velho, mas, como o autor morreu subitamente na erupção do Vesúvio de 79 d.C., ela ficou inacabada. O imperador chinês Ming Yung-lo conseguiu, em 1408, terminar a que mandara fazer, mas a obra foi vítima do próprio sucesso. Com mais de 11 mil volumes, era tão grande que poucos se dispuseram a copiá-la. Só 400 tomos sobreviveram.
O grande século das enciclopédias foi o 18. Em 1728, o inglês Ephraim Chambers publicou sua "Cyclopaedia, or Universal Dictionary of Arts and Sciences". Foi um sucesso imediato. Os franceses ficaram com inveja e um editor contatou os filósofos Diderot e d'Alembert para adaptar a obra de Chambers. Eles não seguiram o "script", mas nos deixaram a famosa "Encyclopédie", o monumento ao Iluminismo, com verbetes de Voltaire, Rousseau etc. O troco foi a Britannica, lançada em 1768, e atualizada periodicamente. Entre seus colaboradores estão Ricardo, Marie Curie, Einstein, Koestler, Bill Clinton.
O ocaso da Britannica tem causa: a Wikipedia. Substituímos a cara, lenta, mas precisa, enciclopédia de autores pela gratuita, rápida e, por vezes, traiçoeira enciclopédia colaborativa. Não é que a troca seja irracional, mas precisamos tomar mais cuidado com os erros, que, de todo modo, estão inscritos na essência das enciclopédias.
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