quinta-feira, março 22, 2012

O terrorista dorme ao lado - CLÓVIS ROSSI

FOLHA DE SP - 22/03/12

De como os jovens de pais imigrantes na Europa se tornam fanáticos e assassinos violentos


PARIS - O presidente Nicolas Sarkozy dialogou indiretamente com Mohammed Merah, suspeito de ter assassinado três militares franceses (dois deles muçulmanos) e quatro judeus de uma escola de Toulouse. Merah, cercado em um apartamento dessa cidade do sul francês no momento em que escrevo, disse aos policiais com os quais negociava que pretendia "colocar a França de joelhos".
O presidente francês respondeu: "a República não cedeu, a República não recuou, a República não se debilitou".
É verdade, mas apenas parte da verdade. Tanto que ao funeral dos soldados em que Sarkozy discursou compareceu praticamente todo o mundo político francês.
O que significa que, se não ficou de joelhos, "a França inteira está emocionada", como escreveu Amélie Rossignol, da revista "Marianne". Completou: "Diante do drama, a economia, a Europa ou a evocação das reformas parecem bruscamente indecentes". Posto de outra forma, a República não ficou de joelhos, mas está congelada.
É compreensível que seja assim: Merah, 24, é francês de origem argelina. Há milhões de outros Merah que, de vez em quando, promovem revoltas nos "banlieus", os subúrbios de Paris ou de outras grandes cidades, o mais próximo possível de uma favela que se podem permitir países ricos e bem menos desiguais do que o Brasil, por exemplo.
Quando menor, Merah envolveu-se 15 vezes em pequenos crimes, o que acontece com inúmeros de seus companheiros de marginalização.
O que o tornou diferente -e capaz dos crimes de que é agora acusado- foi "uma radicalização salafista atípica", na descrição de François Molins, o procurador da República. Salafismo é uma variante radical do islã sunita.
Merah esteve duas vezes na fronteira Afeganistão/Paquistão, em zonas tribais nas quais "há cerca de 200 madrassas [escolas religiosas] que ensinam a jihad [a guerra santa] a futuros insurgentes, ao que se segue treinamento militar", segundo o General Sayed Amir Shah, chefe dos serviços de informação afegãos. Voltou a Toulouse como membro da Al Qaeda, disse aos policiais.
Tudo somado, compreende-se que a França se emocione e se assuste, até porque o editorial de capa do "Monde" de ontem lembra que "o engajamento militar da França em vários teatros exteriores, notadamente no Afeganistão, e sua diversidade ética e religiosa -a França é o país da União Europeia que abriga ao mesmo tempo a mais numerosa comunidade muçulmana e a mais numerosa comunidade judaica- fazem dela um alvo preferencial para a Al Qaeda".
Para o jornal, o que os jihadistas querem "é precisamente impedir a França de ser a França e a Europa de ser a Europa, na sua diversidade e na sua tradição de tolerância".
Pode-se até questionar se a tradição de tolerância não está sendo seriamente arranhada pelo próprio Sarkozy, com suas críticas e ações contra os imigrantes, e pela Europa, com a maré montante da xenofobia.
Mas ao menos ontem o presidente tocou a tecla certa ao pedir que a República não reaja aos crimes buscando vingança, o que criminalizaria toda a comunidade muçulmana.

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