FOLHA DE SP - 11/03/12
Recuperada de um tratamento contra a leucemia, a atriz Drica Moraes volta ao teatro depois de ficar quatro anos longe dos palcos
Drica Moraes, 42, estava filmando "O Bem Amado", em 2009, "ainda de peruca de irmã cajazeira", quando recebeu um telefonema. "Temos um menino aqui. Você precisa vir à audiência amanhã." Ela pediu dispensa ao diretor Guel Arraes. "Tenho que buscar meu filho em Salvador." Ouviu de volta: "Vai, mas volte em dois dias".
Mateus tinha dois dias de vida. E a atriz estava na fila de espera para a adoção havia quatro anos. Meses depois da chegada do filho, no começo de 2010, foi diagnosticada com leucemia. "Saí de casa dois dias depois daquela foto, ele nem andava", aponta para um retrato na parede do camarim do Teatro Poeira, no Rio, em que está com o filho na piscina. "Um dia ele aparece no hospital pra me visitar andando. Quase caí pra trás", conta à repórter Lígia Mesquita.
Um ano e nove meses após ter feito um transplante de medula e desde 2008 longe dos palcos, ela se prepara para voltar ao teatro. Pela primeira vez tendo um filho em casa. "Tô há dois dias sem vê-lo, ensaiando direto. Minha sorte é que tenho uma mãe maravilhosa que segura todas as minhas ondas. Esqueci que trabalhar dá trabalho."
A rotina em casa também é intensa. "Sou mãe solteira. É comigo ou é comigo." E acredita que pode encarar desafios específicos quando o filho, que é negro, crescer. "Nós teremos coisas pra enfrentar. É um país racista. Dissimuladamente, mas é."
São 15h30 da última quarta-feira. Ela come um pedaço de bolo de chocolate antes de retomar o ensaio de "A Primeira Vista", peça em que divide a cena com Mariana Lima. O espetáculo com direção de Enrique Diaz, marido de Mariana e um dos fundadores da Cia dos Atores ao lado de Drica, estreia na quinta, no Rio. Ainda não tem data para chegar a São Paulo.
Para interpretar suas personagens, as atrizes tiveram que aprender a tocar ukulelê (espécie de um pequeno violão com quatro cordas) em três meses. Naquela tarde, treinaram com o professor, cantando e tocando de olhos fechados "Come As You Are", do Nirvana.
"É uma rede de segurança grande estar voltando ao teatro com eles. O Kike [Enrique] é meu amigo há 30 anos e foi meu primeiro namorado. A Mari também é minha amiga. Esse processo todo é regado a afeto", diz.
Deitada no chão fazendo preparação corporal, diz: "Pode colocar aí: Drica Moraes volta aos palcos em clima de só love [amor], só love".
"A saudade que eu estava de voltar ao teatro não dava para dimensionar. São tantos momentinhos gostosos aqui, tudo sempre tão prazeroso, que fui me esquecendo do meu passado recente. Me deu uma renovada. Volta e meia as pessoas é que têm que me lembrar: 'Não tá cansada? Comeu?'."
Em junho, Drica retornará também às gravações de novela. Estará no remake de "Guerra dos Sexos" (TV Globo). Ela conta que nunca teve um contrato longo com a emissora, só por obra. "[Durante o tratamento] Tinha um bom plano de saúde, que eu pagava, e usei o meu dinheiro, minhas economias. Foi uma grana nesse processo."
Em 2013 deve voltar a fazer cinema em um filme de João Jardim. "Não quero falar. Vamos com calma. Um dia de cada vez é meu lema."
"Seria tão bom se tivesse alguém para me conseguir uma xícara de café preto sem açúcar", fala alto, rindo, depois de quase quatro horas de ensaio. Uma pessoa da produção lhe entrega a bebida. A assistente de direção avisa que é proibido beber qualquer coisa em cima da ilustração que compõe o cenário. Ela vai até a coxia para tomar o café. "Escreve aí que Drica é uma atriz humilde, que acata ordens. E linda, cheirosa, gentil [risos]!"
Bem humorada, a atriz diz se identificar com muitas coisas no texto do autor da peça, o canadense Daniel MacIvor. "Tenho essa coisa do humor, sou uma pessoa leve. A leveza me ajudou muito em diversos momentos. Foi meu grande remédio, meu ponto de apoio. É muito difícil eu ficar baixo-astral", diz.
"Hoje me perdoo muito mais, me exijo muito menos. Só sei te dizer que a vida simplificou, é mais divertida, mais leve. Eu me divirto, por exemplo, de estar aqui dando essa entrevista. Preciso de muito pouco pra me divertir muito", afirma. Antes de enfrentar o câncer, "achava que tinha que ser muita coisa. Não tenho que ser nada mais: a melhor mãe, a melhor amiga, a melhor atriz. Eu só quero é ser feliz!".
A curiosidade que seu tratamento despertou nas pessoas não a incomodou. "Energias positivas são sempre bem-vindas. Toda prece, todo sangue doado, com certeza chegou a mim."
O recado que ela manda para o colega Reynaldo Gianecchini e para o ex-presidente Lula, ambos saindo de tratamentos contra o câncer, é: "Força na peruca! Vai passar. É tempo, paciência, observação e calma".
Às 20h15, Drica consegue parar e comer um pouco de yakissoba de camarão. Conta que logo que teve alta após fazer o transplante, quis deitar no chão, uma das coisas que mais gosta de fazer. "Passei cem dias sem poder ter contato com as pessoas. Imagina poder deitar no chão, que é imundo. Quando aconteceu foi um sonho."
Na plateia, amigos das atrizes se posicionam. Assistirão ao primeiro ensaio corrido da peça, com iluminação e figurino. Entre os espectadores, estão Bel Garcia e Marcelo Olinto, da Cia de Atores, "meus amigos desde os 12 anos", conta Drica.
O que tem vontade de fazer de agora em diante é "levar essa vidinha boba da gente", fora continuar no teatro. "Estar com os amigos, filho, viagens, beijo na boca, ler um bom livro. Piro com coisas muito simples", diz ela, que há três anos namora o médico Fernando Pitanga, que conheceu na praia.
"Nunca fui de festa, de blá-blá-blá. Minha vida é muito simples. Gosto de ir ao cinema, ao teatro, adoro dormir, viajar pro meio do mato, pra praia, ficar em casa e cozinhar. Faço umas moquequinhas, cuscuz marroquino."
Às 22h30, quando acaba a encenação e recebem os aplausos, Drica se vira para a repórter e fala: "Viu como dá trabalho isso aqui?".
"Hoje me perdoo muito mais, me exijo muito menos. Só sei te dizer que a vida simplificou"
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