sábado, março 10, 2012

Cartão amarelo para os manos - RUTH DE AQUINO


REVISTA ÉPOCA


O secretário-geral da Fifa deu um carrinho por trás – mas... vamos mesmo conseguir sediar a Copa?




RUTH DE AQUINO  é colunista de ÉPOCA raquino@edglobo.com.br (Foto: ÉPOCA)
Nada como um carrinho por trás para criar confusão dentro e fora de campo. A julgar pelo desfecho, a falta aconteceu em boa hora. A jogada desleal foi aplicada pelo francês Jérôme Valcke, secretário-geral da Fifa, conhecido pelo estilo traiçoeiro. Em inglês, ele disse que o Brasil precisaria de “um pontapé no traseiro” se quisesse sediar direito a Copa do Mundo em 2014. Contundido moralmente, o Brasil peitou a Fifa e exigiu a expulsão de Valcke do gramado.
A turma do deixa-disso entrou na área. Valcke chamou o ministro do Esporte, Aldo Rebelo, de “infantil”, depois amarelou e pediu desculpas à torcida verde-amarela. O Brasil aceitou e resolveu mexer – se não no time, pelo menos na velocidade e na precisão dos passes. Os manos aparentemente se reconciliaram, mas... vamos mesmo cumprir a tempo todas as obras na infraestrutura e fazer uma boa exibição em 2014?
Valcke expressou em linhas tortas o que temos falado na rua, no botequim, na praia, no trabalho: está difícil acreditar. Nem digo mais na Seleção, mas na agilidade (!!!) do Congresso, que vive adiando a votação da Lei Geral da Copa. Está difícil acreditar nos prazos e excelência dos estádios, nos serviços de hotelaria, transporte, aeroportos. Está difícil acreditar na honestidade no Brasil. Ou somos injustos?
Ao rolar e espernear, o Brasil exagerou. Simulou. A falta de Valcke não foi tão grave assim – embora tenha sido mal-educado e inconveniente. Deveria ser parceiro, e não adversário. Sua chinelada verbal pode ter um mérito: virar o jogo a favor da Copa brasileira, ao mexer com os brios de uma equipe burocrática, comandada pelo sonolento Rebelo.
É importante saber exatamente o que Valcke disse. O francês culpou os tradutores. Alegou que queria apenas sugerir ao Brasil: “Acelere o ritmo”. Sua declaração, literal, foi: “Lamento, mas as coisas não estão funcionando no Brasil. A gente espera mais apoio – há essas discussões infindáveis sobre a Lei Geral da Copa. Deveríamos ter recebido esses documentos assinados em 2007 e estamos em 2012. A gente tem de acelerar, dar um chute no traseiro e realizar esta Copa do Mundo, e é isso o que nós faremos”.
Fora o trecho polêmico, o restante da declaração de Valcke me pareceu um alerta bem mais importante. Ele confirmou que não há “plano B” para o país anfitrião da Copa e que o torneio se realizará no Brasil. Mas advertiu que “os torcedores vão sofrer”. Bem, nós temos medo de sofrer também, não?Cinco dias após o chute no bumbum sugerido pelo secretário-geral da Fifa, a comissão especial da Câmara aprovou o projeto de lei da Copa, assegurando a venda de bebida alcoólica nos jogos do Mundial em 2014. O texto ainda precisa ser votado no plenário da Câmara, depois no Senado. Alguém, sóbrio ou bêbado, acha o Congresso brasileiro ágil nas votações que interessam à população e não ao bolso dos congressistas?
“Não há hotéis suficientes em todos os Estados. Há, sim, mais que o suficiente em São Paulo e no Rio de Janeiro (ele foi gentil), mas, se pensarmos em Manaus, é preciso mais. Digamos que, em Salvador, a Inglaterra jogue com a Holanda e que haja no estádio 12% de torcedores ingleses e 12% de holandeses. Isso representa cerca de 15 mil torcedores. A cidade é bonita, mas é preciso melhorar o transporte para o estádio e a organização.” Não é verdade? Nosso Ronaldo, do Comitê Organizador Local da Copa, concordou com Valcke: “Ainda tem muita coisa atrasada”.
Como a decisão brasileira foi espalhar os jogos pelo país e não concentrá-los numa região, ao contrário do desejo inicial da Fifa, isso significa, disse Valcke, que, “se um torcedor quiser seguir seu time, terá de voar 8.000 quilômetros”. A Fifa apoiou a decisão, mas “é preciso assegurar que torcedores e jornalistas possam acompanhar sua seleção nacional”. Alguém discorda? Eu não. Na verdade, eu me preocupo muito, e não só com isso.
Eu me preocupo também com o “Grande Irmão”, o Mano, e sua capacidade de treinar uma Seleção que faça jus a nossa tradição e a nossos craques. Na semana passada, vimos o show do Messi. Também vimos o show do Neymar, 20 aninhos de muito talento, em busca de um técnico seguro e competente que saiba armar e inspirar um time campeão. Porque não podemos depender apenas de rompantes individuais de genialidade.
Como carioca, cresci indo ao Maracanã com meus pais aos domingos. É um descalabro imaginar que a Seleção possa nem chegar a jogar no estádio mais mítico do mundo na Copa de 2014 – caso não dispute a final. Vamos chutar, não no traseiro da Fifa, mas no gol, com brilho e decisão. Estamos na torcida. Temos futebol para isso. Acelera, Brasil.

Nenhum comentário: