segunda-feira, fevereiro 13, 2012
Novas pretensões de Kirchner - EDITORIAL O ESTADÃO
O Estado de S. Paulo - 13/02/12
Controlar a formação de preços na indústria automobilística é a mais recente ambição intervencionista do governo de Cristina Kirchner. Esta seria apenas mais uma aventura de impacto nacional - entre outras tantas em que o governo de Buenos Aires vem se lançando desde o início da era Kirchner -, se não envolvesse o Brasil. O governo Kirchner quer a formação de uma comissão bilateral com a finalidade de estabelecer "critérios uniformes" para exigir das montadoras informações sobre custos das autopeças, de modo que, com base nessas informações, os dois países possam escolher o fornecedor mais adequado. Além disso, voltou a exigir do Brasil que importe mais produtos argentinos, sob o argumento de que a Argentina produz muita coisa que o Brasil compra de outros países.
Marcado por uma visão nacionalista estreita, o governo Kirchner vem colocando em prática medidas protecionistas, tem fustigado as empresas estrangeiras no país e procura obter o apoio de outros governos a essa política. Há dias, o jornal Clarín noticiou que a presidente Cristina Kirchner quer convencer o governo brasileiro a adotar a mesma política comercial por ela imposta a seu país e a fomentar artificialmente o comércio dentro do Mercosul, para assegurar que mais dólares permaneçam na região. É o contrário do que se pretendeu com a criação do bloco comercial do Cone Sul, cujo objetivo era aprofundar a integração regional e assegurar a seus membros melhores condições para inserção no mercado mundial.
Depois de reunir-se em Buenos Aires com a secretária de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento e Comércio Exterior (MDIC) do Brasil, Tatiana Prazeres, há alguns dias, para discutir os problemas no comércio bilateral, a ministra argentina da Indústria, Débora Giorgi, afirmou que "ambos os governos devem impedir que as empresas multinacionais continuem tomando decisões de acordo com a renda global, buscando diluir a crise de seus países de origem com os lucros que obtêm no Mercosul". Seu objetivo, pelo visto, é nada menos do que determinar a estratégia a ser seguida pelas grandes corporações transnacionais - com o apoio do governo brasileiro, é claro.
A mais recente medida de proteção para produtos argentinos entrou em vigor no dia 1.º de fevereiro. Trata-se da exigência a todo importador de fazer a Declaração Juramentada Antecipada de Importação, e apresentá-la ao órgão argentino equivalente à Receita Federal. A declaração será examinada previamente também pela Secretaria de Comércio Interior, chefiada por Guillermo Moreno, que tem se oposto à entrada de produtos brasileiros em seu país. A reunião de Buenos Aires foi para discutir o impacto da medida sobre os produtos brasileiros. Na primeira semana de vigência, apenas um terço dos pedidos de importação foi liberado.
A ministra argentina da Indústria aproveitou a reunião para, mais uma vez, queixar-se do saldo favorável ao Brasil no comércio bilateral. Voltou a cobrar do governo brasileiro que estimule as compras de produtos argentinos. Segundo ela, a Argentina tem potencial para fornecer anualmente até US$ 31 bilhões de manufaturados que o Brasil importa. Em dezembro, apresentou ao governo brasileiro a lista desses produtos, e mostrou-se contrariada porque o Brasil ainda não decidiu importá-los.
Podem ser muitas as razões para o Brasil não fazer isso. Qualidade, especificações técnicas, preços, capacidade de fornecimento em quantidade e em prazos determinados são algumas delas. Mas considerações dessa natureza, essenciais para quem cuida de um negócio responsável, talvez não passem pela cabeça da ministra argentina.
Para o governo argentino, a reunião resultou em "bom entendimento"e foi "construtiva" para estimular o comércio entre os dois países. A representante brasileira considerou que a reunião foi "bastante útil". No entanto, com a proposta argentina de criação da comissão para controlar preços das montadoras e, sobretudo, as declarações enfáticas da ministra Giorgi a respeito do comércio bilateral, é difícil entender o que se produziu de "construtivo" e "útil" para o Brasil durante o encontro.
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