O ESTADÃO - 13/02/13
De vez em quando, uma surpresa nos jornais, a despeito de mais de meio século na profissão. Desta vez, foram as "palavras apetrechadas de asas" - como se lê em boas traduções da Odisseia - que D. Dilma lançou aos ares, diante dos atrasos nas obras de transposição do Rio São Francisco e da Ferrovia Transnordestina, quando da sua recente visita.
Obras importantes. Marcos para a história de um governo que se pretende histórico. Verdadeiras "brasílias" dos governos lulistas, nos quais a atual presidente se insere. Por isso, e com justa razão, ela foi clara, firme e direta, embora, como sempre, numa oratória um pouco trôpega. "Queremos obras controladas. Não queremos saber que não deu certo (apenas) no final do ano. Queremos saber antes, porque isso permitirá que a gente faça a nossa parte". E, segundo o noticiário, aduziu a informação de que "o governo monitora obras através de mecanismo online" e, "a partir de agora, vai cobrar metas e resultados concretos".
Isso mesmo. É assim que se fala e que se impõe quem granjeou fama de gerentona, de durona e, principalmente, de competentíssima. Não podia ser de outro jeito: "Pretendo sistematicamente, a partir de agora, olhar detalhadamente os prazos, queremos que cumpram os prazos, teremos uma supervisão praticamente mensal". E, mais adiante, "eu cobro do ministro, o ministro cobra de todos os funcionários do ministério e nós todos vamos cobrar daqueles que executam em parceria conosco". O ministro Fernando Bezerra estava ao lado - sim, aquele que escapou há pouco da demissão.
Eis aí o manual, o roteiro do bom e eficaz gerenciamento no setor público. Resta-nos torcer pelo "a partir de agora".
Mas aí surge a surpresa que esse noticiário nos pespegou.
Quem estava falando assim, com muita desenvoltura e, aliás, coberta de razão, não era a dama de ferro apelidada por Lula de "mãe do PAC"? Não era a mãe do Programa de Aceleração do Crescimento, a ex-ministra de Minas e Energia e a ex-chefe da Casa Civil por um longo período de oito anos, pelo menos, com mais um na Presidência da República? E durante esse tempo todo não ficou conhecida por sua dureza no tratamento de subordinados e por suas cobranças e reprimendas às vezes até humilhantes para quem as recebia?
E, afinal, essas obras todas, mais a Usina de Belo Monte e várias outras de menor impacto, não estavam todas inseridas no PAC, sob suas ordens peremptórias e sua vigilância atenta?
Pois é. No entanto, apesar disso tudo, só agora ela descobre que as coisas não andaram como desejaria e pretende tomar enérgicas providências?
Ficamos dando tratos à bola em busca de uma explicação para a contradição entre a fama de eficácia e competência, sempre alardeada pelos acólitos, da grande administradora e o que parece ser o pífio resultado do seu método de trabalho - pífio a ponto de irritá-la.
Deixemos de lado a explicação banal, porventura preferida por seus inimigos, de que a fama era mesmo apenas isso - só fama. Mergulhemos um pouco mais a fundo nesse mistério. Talvez encontremos aí uma explicação melhor. É que o problema não estaria todo no seu método pessoal de trabalho ou numa incapacidade de comando que começaria a aparecer. É possível que isso também esteja presente. Mas, na verdade, a raiz mais funda do problema está, a nosso ver, no próprio conceito de "governabilidade" engendrado pelo seu antecessor - que permitiu a ele mandar na sucessão e colocar a oposição para escanteio, mas que se mostra agora um fator ponderável de ingovernabilidade na administração da coisa pública stricto sensu.
Sim, pois estando a "governabilidade" distribuída por muitos feudos, dos quais a "coroa", ou seja, a chefia do reino, se torna refém, os senhores feudais tocam os negócios das suas respectivas pastas com o empenho e o ritmo ditados por seus próprios interesses pessoais e políticos. Caso seus interesses porventura coincidam com os do "reino", ou do governo central, tudo bem. Caso não coincidam, que se danem os interesses e propósitos do governo central - ou do Brasil, que seja!
E é assim que la nave va!
Mais ou menos à deriva.
Os atrasos na liberação de verbas e no cumprimento de prazos, até mesmo em obras urgentes como são as previstas para a Copa do Mundo e para a Olimpíada, nascem das lutas internas sobre de quem é a primazia. Em meio a isso, ainda há a inoperância do governo petista, dado o conhecido despreparo dos seus quadros, que vai se impondo com nitidez, para desespero até mesmo de próceres do partido.
Essa inoperância não decorre só da jejuna capacidade administrativa de muitos dos companheiros guindados para cargos públicos com base apenas no QI, isto é, no "quem indica". Decorre, também, do fato de que os senhores feudais "aliados" - ungidos pelo PT, porém não petistas - se preocupam muito mais em promover as suas carreiras pessoais e as dos seus apaniguados do que em levar água para o moinho petista. Essa armadilha enreda a nossa presidente... e enrola muitos dos seus projetos.
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