segunda-feira, fevereiro 13, 2012

Constituição e princípios - MARCUS ORIONE


FOLHA DE SP - 13/02/12
Uma leitura constitucional que leva em consideração a importância da polícia no Estado de direito não pode ser jamais contra a greve dos PMS

Há alguns anos, teci, enquanto jurista, digressões a respeito da greve dos policiais civis ("A viabilidade constitucional da greve", nesta Folha, no dia 15 de novembro de 2008). Atualizarei a leitura, sendo que, para a presente situação, certas incursões ali feitas podem ser aproveitadas e outras devem ser adequadas à hipótese ou revistas.
Consigno que, acredito, não farei a interpretação que será a dominante. Registro que, no entanto, trata-se de uma leitura conservadora nos moldes do direito.
Uma Constituição é um documento político, que inaugura a estrutura do Estado. E, sob essa perspectiva, a interpretação de qualquer dispositivo constitucional não pode ser literal, mas sistemática e à luz de princípios, de sorte a mitigar os conflitos que estão presentes no seu bojo.
Isso não poderia ser diferente quanto ao disposto no artigo 42, parágrafo 1º da Constituição, que versa sobre restrição às greves dos policiais militares dos Estados.
No caso, há um aparente conflito entre segurança pública e direito de greve de uma classe trabalhadora. Não há que se enfraquecer nunca qualquer um dos dois direitos, já que ambos interessam a uma sociedade melhor.
As forças policiais são mantenedoras da ordem propagada pelo Estado de direito. Aliás, alimentado pelo medo e por falta de outras políticas públicas, é conhecido o clamor geral por segurança pública -com o qual posso não concordar, mas que é fato.
Não é de se crer que essa sociedade queira uma polícia desprovida de recursos para o cumprimento de sua função. É muito fácil enviar, a preço baixo, alguém para manter a ordem, arriscando a própria vida.
Portanto, uma leitura constitucional que leva em consideração a importância dessa corporação na preservação do tipo de democracia instaurada pelo Estado de direito não poderia jamais ser contra a greve dos policiais militares.
Registre-se que o movimento grevista implica a defesa não do interesse específico de uma categoria. Como em todas as greves no serviço público, defende-se o melhor atendimento de uma política pública posta na própria Constituição.
Além disto, qualquer interpretação da Constituição tem como vetor a dignidade da pessoa humana, o que deve ser considerado em favor da greve, em vista do alto risco de exposição do policial.
No entanto, o mais importante é que a greve dos policiais militares na Bahia desnuda o atual Estado democrático de direito, evidenciando as suas contradições.
De um lado, uma sociedade que, com medo, precisa da polícia. De outro, governantes que não oferecem políticas sociais adequadas e que nem conseguem realizar o que prometem em seu lugar: uma política de segurança pública decente.
De um lado, líderes grevistas com mandados de prisão decretados. De outro, um governador ex-sindicalista que insiste na prisão das lideranças. De um lado, os policiais, em geral convocados para cumprir ordens emanadas de poderes do Estado, enquanto sua força repressiva. De outro lado, os mesmos policiais, ora grevistas, confrontados pela repressão do Exército.
Tais contradições revelam que há uma profunda tensão no atual Estado democrático de direito -da qual simples interpretações constitucionais não darão conta.
Espera-se que, pela vivência da greve, os policiais consigam entender a equação envolvendo Estado de direito e relações de trabalho, para que, no futuro, possam conformar, cada vez mais, sua atuação à lógica dos direitos humanos.

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