FOLHA DE SP - 25/02/12
São tantas e tão belas as músicas que exaltam a Lua que seria necessário um livro para mostrar todas
Passei o Carnaval na roça e, mais uma vez, me impressionou a relação íntima do homem do campo com os fenômenos da natureza, que, ao longo dos tempos, foi formando uma "cultura", que passa de geração em geração, explicando fatos e até mesmo antevendo-os.
Floradas, forma das nuvens, reação dos animais, tudo explica alguma coisa. Mas a Lua é, de longe, o item mais observado: se existe um halo em volta da Lua cheia, pode esperar chuva em dois ou três dias, mas, se a minguante está parecendo um prato vazio, esqueça: seca na certa, porque o astro não vai "derramar" nada. E a influência dela no plantio, na castração de animais ou nos tratos culturais é, sem dúvida, crucial. E, na música, então...
Talvez por isso o grande Catulo da Paixão Cearense tenha sido tão incisivo: "Não há, ó gente, ó não,/ Luar como este do sertão./ A Lua nasce por detrás da verde mata/ Mais parece um sol de prata/ Prateando a solidão".
E vai além, insinuando que o cidadão urbano não tem a mesma sensibilidade do campeiro para com a Lua: "A gente fria desta terra sem poesia/ Não se importa com a Lua nem faz caso do luar".
Mas quantos outros poetas urbanos igualmente formidáveis e imortais celebraram a Lua? Pedi a alguns amigos que ajudassem a responder a essa questão, e encontramos dezenas, centenas de músicas exaltando a Lua e o luar.
E, aliás, em todas as línguas: lá estão em francês o "Clair de Lune", em inglês o "Blue Moon, em espanhol o "Contigo Aprendi" ("a ver la luz del otro lado de la luna..."). Mas são tantas e tão belas as músicas brasileiras que seria necessário um livro para mostrar todas. No entanto, algumas são fantásticas.
Orestes Barbosa escreveu "Chão de Estrelas", com uma estrofe que diz: "... a porta do barraco era sem trinco,/ E a Lua, furando o nosso zinco,/ Salpicava de estrelas nosso chão...".
Essa mistura de Lua com estrelas se repete em outras canções inesquecíveis. Cândido das Neves, vulgo Índio, tem uma passagem a respeito: "Lua, vinha perto a madrugada/ Quando em ânsias minha amada/ Nos meus braços desmaiou,/ E o beijo do pecado,/ O teu véu estrelejado,/ A luzir, glorificou".
Noel Rosa, em "Pastorinhas", também juntou Lua e estrelas: "A estrela Dalva no céu desponta/ E a Lua anda tonta com tamanho esplendor/ E as pastorinhas, pra consolo da Lua,/ Vão cantando na rua lindos versos de amor".
Portanto, também nas ruas, urbanas, a Lua é exaltada, como na melodia imortal cantada por Silvio Caldas: "A deusa da minha rua/ Tem os olhos onde a Lua/ Costuma se embriagar".
Quanta maravilha! Muitos outros tratam da Lua como se fosse um ser inteligente, agindo de forma emocional. Índio mesmo diz: "A estrofe derradeira, merencória/ Revelava toda a história/ De um amor que se perdeu/ E a Lua, que rondava a natureza,/ Solidária com a tristeza,/ Entre as nuvens se escondeu".
Já Orlando Silva, ao pedir que a Lua venha despertar a sua amada, sente-se observado por ela e chora: Canto e, por fim,/ Nem a Lua tem pena de mim,/ Pois, ao ver que quem te chama sou eu,/ Entre a neblina se escondeu".
Entre as nuvens, entre a neblina... E Ivan Lins entoa que: "Até a Lua se arrisca num palpite".
Sempre, sempre, a Lua tem sido e será fonte permanente de inspiração para apaixonados: "Poetas, seresteiros, namorados, correi,/ É chegada a hora de escrever e cantar,/ Talvez a derradeira noite de luar...".
Não, jamais, nunca haverá uma derradeira noite de luar.
Cely Campelo tomou banho de Lua, Rita Lee fez amor por telepatia na Lua que foi cantada por Gil, Caetano, Tim Maia, Chico, Lupicínio, Pixinguinha, João Bosco, Vinícius, Tom, Ary Barroso, Marcos Valle, Carlos Lyra, Dolores, Cartola, Gonzaguinha, todos os grandes.
Por isso, como diz Paulo Sérgio Pinheiro, em sua "Viagem": "Mas pode ficar tranquila,/ Minha poesia,/ Pois nós voltaremos,/ Numa estrela guia,/ Num clarão da Lua, quando serenar...".
Vamos esperar, sem esquecer o genial Nelson Cavaquinho, que decretou, definitivo: "O sol não pode viver perto da lua...".
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