sábado, fevereiro 25, 2012

Falta de interesse - MERVAL PEREIRA


O GLOBO - 25/02/12

Antes de um Gosplan de educação profissional - política de economia planejada da antiga União Soviética - , é preciso ouvir a demanda do trabalho e do capital. É assim que o economista Marcelo Neri, do Centro de Pesquisas Sociais da Fundação Getulio Vargas, no Rio, define os resultados de uma pesquisa baseada no processamento e análise do suplemento especial da Pnad feita para o Senai, sobre as razões da falta de demanda por cursos profissionalizantes.

Ao mesmo tempo em que a pesquisa revela a busca crescente pelos cursos profissionalizantes na Classe C emergente, mostra também números impressionantes: nada menos que 83% das razões apresentadas pelos pesquisados sem educação profissional se referem à falta de demanda, e não de oferta.

Isto é, os cursos oferecidos não encontram correspondência no mercado nem no interesse dos alunos, e uma coisa tem a ver com a outra.

Em particular, 69% daqueles sem educação profissional apontam falta de interesse nos cursos oferecidos, e não falta de cursos.

A perda de interesse, por sinal, também é a razão apresentada por 55% dos que abandonaram no meio tais cursos.

A falta de interesse das empresas em contratar, por sua vez, explica 31% da não recolocação no mercado dos egressos destes cursos.

Segundo o economista Marcelo Neri, a falta de interesse reflete a inadequação dos cursos às necessidades das pessoas.

No caso da educação profissional, o que preocupa, aponta Neri, é que a falta de interesse também é a principal razão (40,7% do total) para a população de 15 a 17 anos que deveria estar no ensino médio regular não frequentá-lo.

A inadequação dos cursos técnicos reflete as especificidades do mercado de trabalho, como o oferecimento de um curso de datilografia quando as pessoas querem um de informática, exemplifica Marcelo Neri.

Esse seria o lado Gosplan de não se olhar para o que as pessoas, que formam o mercado de trabalho, querem.

Outro ponto importante para o economista é que falta informação da população em geral sobre os impactos do curso. Por exemplo, o técnico médio alavanca o salário em 14% para cima do que se obtém com o médio regular.

Neri diz que uma linha de investigação que não vem sendo explorada devido à falta de dados é composta de perguntas diretas aos jovens sem educação profissional sobre a falta de motivações: seria a falta de interesse, necessidade imediata de geração de renda, ou seriam baixos retornos prospectivos percebidos por eles?

Essas questões encontram respostas a partir do depoimento daqueles sem curso profissionalizante. A falta de demanda da população, que é a razão majoritária para não fazer cursos profissionalizantes, se divide por sua vez em dois tipos básicos: falta de interesse intrínseco (68,8%) e falta de condições financeiras (14,17%), que a princípio é um motivo de demanda, mas, como ressalta Marcelo Neri, poderia ser enfrentado com a oferta de bolsas de estudo profissionalizantes, como nas tentativas de atrelá-las ao programa Bolsa Família, na criação de um Prouni do ensino técnico, ou em outras iniciativas de governos estaduais na área.

Os demais motivos alegados ou são residuais (6,57%) e a falta de oferta (10,47%). As motivações de oferta, por sua vez, dividem-se em falta de escola na região (8,64%), falta de curso desejado na escola existente (1,4%), falta de vagas nos cursos existentes (0,43%).

A demanda pregressa por educação profissional está positivamente correlacionada com a escolaridade das pessoas, passando de 3% para os sem escolaridade regular e chegando a 23,5% aos 8 anos completos de estudo, fase de entrada no ensino médio, quando cresce ainda mais aceleradamente, atingindo o ápice nos 10 a 12 anos completos de estudo regular, ocorrendo aqui um planalto em torno dos 45%.

Este é o ponto quando ocorre a passagem do ensino médio para o ensino superior. A partir dos 12 anos de estudo, a demanda começa a cair chegando aos 31,1% nos 16 anos de estudo, estabilizando a partir deste ponto.

Marcelo Neri analisa que gestores e pesquisadores têm o hábito de basear decisões e sugestões de política pública seguindo perspectiva de oferta, e não de demanda.

"Frequentemente nos esquecemos que o derradeiro teste da política pública se dá na sua aceitação, ou não, pela respectiva clientela final", lamenta.

Por exemplo, quando perguntamos aos pequenos empresários qual a natureza da maior dificuldade percebida do negócio, se é deficiência de tecnologias, infraestrutura, formalização, crédito, mão de obra qualificada, entre outras, a resposta mais frequente é nenhuma das alternativas, mas "falta de clientes ou excesso de concorrência no mercado".

Os dados do CPS da FGV mostram que proporção semelhante é encontrada em pesquisas que perguntam ao jovem de 15 a 17 anos por que não está na escola regular: 67% das respostas abrangem elementos de demanda como falta de interesse ou renda.

Antes de partir para um grande Gosplan de educação profissional é preciso ouvir a demanda do trabalho e do capital, adverte Marcelo Neri.

Não basta ter no papel um bom plano de educação profissional que atenda prioridades produtivas vislumbradas para a nação, mas ele tem que antes, e acima de tudo, atender as aspirações dos trabalhadores e das empresas.

O estudo da Fundação Getulio Vargas do Rio mostra que a análise da demanda por educação profissional é muito mais complexa que a da educação regular.

O menu profissionalizante inclui cursos de qualificação profissional, técnico de ensino médio e graduação tecnológica numa miríade de temas indo da informática à saúde passando por cursos de estética e de gestão, entre outros.

Nessa selva de cursos de diferentes níveis e temas ofertados por diferentes atores é fácil se perder no caminho, adverte o trabalho da FGV.

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