quarta-feira, fevereiro 22, 2012
Duas Europas? - GILLES LAPOUGE
O Estado de S.Paulo - 22/02/12
A Grécia está salva. Viva! A Europa e o euro também. Voltamos de longe. Foi preciso que todo o mundo se mobilizasse: o Fundo Monetário Internacional (FMI), a Comissão Europeia (CE) em Bruxelas, o Banco Central Europeu (BCE), a chanceler alemã Angela Merkel, mas também os bancos e as seguradoras que aceitaram "apagar" 107 bilhões de dívidas gregas. Nunca se viu uma reestruturação como essa. Mesmo a da Argentina em 2002, não foi além de US$ 82 bilhões na época.
Quer dizer que o pesadelo acabou? A Europa vai sair das trevas onde tateia há dois anos? Vai reencontrar o sol? Absolutamente. A explosão do euro foi contida, mas é um convalescente que sai do hospital. E não somente a Grécia; também a Itália, a Espanha e Portugal.
A Grécia foi mais atingida que os outros países. Primeiro, no seu orgulho de povo soberano. Ela foi colocada sob tutela, como alguns idosos que já não regulam bem da cabeça: a "troica" que salvou a Grécia (UE, BCE e FMI) vai fiscalizar rigidamente a maneira como a Grécia vai reembolsar seus empréstimos, rebaixar seu nível de vida de maneira drástica, arrecadar seus impostos.
De que valeu inventar a civilização, a democracia, a filosofia e a escultura há 2,5 mil anos, no tempo de Péricles, para se encontrar hoje coberta de bandagens, respirando com ajuda de aparelhos e controlada permanentemente por esses enfermeiros rabugentos que se chamam FMI, UE ou BCE?
E a Grécia não é o único "pato manco" da Europa! A Espanha tampouco está em situação muito brilhante. Em Juarez, cidade célebre por abrigar um autódromo onde um dia Ayrton Senna venceu uma corrida de Fórmula 1 por 14 milésimos de segundo, os 2,5 mil funcionários municipais não são pagos desde dezembro.
Os ônibus não têm mais gasolina para rodar. De noite, as ruas ficam escuras por falta de eletricidade. Não passa um dia sem uma greve, uma manifestação. Certo dia, os empregados do cemitério se recusaram a enterrar os mortos.
Deixemos a pobre Espanha e sigamos para Portugal. Desgraça! Escolas fecham as portas por falta de professores. Nas soberbas autoestradas, os carros são raros. A gasolina está cara demais. A Itália resiste melhor porque tem uma bela indústria, mas o frívolo Berlusconi a pôs de joelhos.
Um chefe de governo austero, moral, Mario Monti, substituiu o "cavaliere" Berlusconi. Para deixar as coisas claras, Monti renunciou a seus salários de presidente do Conselho e de ministro da Economia. Ele também teve a coragem de cobrar imposto da Igreja Católica.
Na Espanha, o novo chefe do governo, Mariano Rajoy, limitou seu salário anual a 78 mil. Os diretores de empresas públicas tiveram sua remuneração cortada em 25% a 30%. A lista poderia continuar. A conclusão seria a seguinte: enquanto a Europa do Norte está calma, próspera, parecida com a Alemanha, toda a Europa do Sul está em apuros.
A Europa está dividida em duas: no Norte, uma Europa do crescimento, da eficácia, do trabalho quase para todos, da ordem nas contas. No Sul, uma Europa da melancolia, da baixa produção, do alto desemprego e de desempregados partindo para procurar emprego nos Estados Unidos ou na América Latina. Entre essas duas Europas, um estranho traço de união, um país que procede a um só tempo dos dois modelos, do modelo em ruínas do Sul e do modelo reluzente do Norte: a França.
Curiosa epopeia, após 50 anos durante os quais, não sem coragem, não sem talento, a Europa lutou para unificar seus infortúnios e suas felicidades. Resultado: duas Europas. / TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK
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