Segunda-feira de Carnaval. Escrevo na sexta anterior, antevendo que o manto democrático da festa já terá descido sobre as ruas.
Em uma mágica que nós, brasileiros, conhecemos bem, as asperezas do cotidiano terão sido colocadas em suspenso, ao ritmo contagiante da irreverência.
Toda a alegria é bem-vinda, embora devam ser respeitados os que preferem utilizar esse momento para os ritos de recolhimento ou introspecção.
A verdade é que, por uma razão ou por outra, esses são dias que se descolam da realidade. Por isso, não serei eu hoje a insistir em falar dela, com seus abismos e contradições.
Muitos já se dedicaram a estudar o caráter simbólico do Carnaval. Lembro aqui o mineiro de Montes Claros, Darcy Ribeiro, antropólogo e educador, militante incondicional da vida e do humor. Não por acaso um visionário que, com a ajuda do traço do gênio Niemeyer, implantou no coração do Rio o palco do Carnaval que encanta o mundo -o Sambódromo, também pensado como um "escolódromo" para os demais dias do ano.
Pois é, Darcy tinha o senso agudo da brasilidade e perscrutou, no Carnaval, a ambiguidade dos desiguais provisoriamente iguais, hiato ecumênico, porém insuficiente para todos os que lutam pelo sonho de um país justo.
Ao toque do tamborim, acredito que ele era um dos que tratavam de trocar a reflexão pela festa. Mas, lá no fundo da alma de folião, devia permanecer doendo-lhe a clamorosa consciência acerca de uma sociedade partida ao meio, da desassistida solidão dos mais pobres, dos resquícios de uma exclusão herdada da escravatura.
Como já disse, não é hora de ficar resmungando sobre a realidade, nesses dias e noites em que o exercício de racionalidade abre alas para os adereços da paixão e da euforia.
Rompida a alvorada da quarta-feira de cinzas, os nobres fictícios de tantas passarelas, sobre as quais escoam hoje país afora, os cordões do Carnaval, irão, com justiça e razão, continuar reivindicando a construção de avenidas mais amplas e generosas, por onde passará um país mais digno e mais próximo daquele que os brasileiros merecem.
Concordo com os que pensam que o Carnaval é um evento mais complexo do que parece. Acredito que sua diversidade e sua irreverência tantas vezes crítica não entorpecem, não iludem -pelo contrário, iluminam, revelam e expõem fantasias que não amortecem, mas desafiam a realidade.
Esteja você onde estiver, bom Carnaval! E que depois dele possamos nos reencontrar com a nossa realidade mais alegres, mais solidários, mais dispostos a ousar e a sonhar. Porque disso também é feito um país: de solidariedade, de ousadia e de sonho.
Em uma mágica que nós, brasileiros, conhecemos bem, as asperezas do cotidiano terão sido colocadas em suspenso, ao ritmo contagiante da irreverência.
Toda a alegria é bem-vinda, embora devam ser respeitados os que preferem utilizar esse momento para os ritos de recolhimento ou introspecção.
A verdade é que, por uma razão ou por outra, esses são dias que se descolam da realidade. Por isso, não serei eu hoje a insistir em falar dela, com seus abismos e contradições.
Muitos já se dedicaram a estudar o caráter simbólico do Carnaval. Lembro aqui o mineiro de Montes Claros, Darcy Ribeiro, antropólogo e educador, militante incondicional da vida e do humor. Não por acaso um visionário que, com a ajuda do traço do gênio Niemeyer, implantou no coração do Rio o palco do Carnaval que encanta o mundo -o Sambódromo, também pensado como um "escolódromo" para os demais dias do ano.
Pois é, Darcy tinha o senso agudo da brasilidade e perscrutou, no Carnaval, a ambiguidade dos desiguais provisoriamente iguais, hiato ecumênico, porém insuficiente para todos os que lutam pelo sonho de um país justo.
Ao toque do tamborim, acredito que ele era um dos que tratavam de trocar a reflexão pela festa. Mas, lá no fundo da alma de folião, devia permanecer doendo-lhe a clamorosa consciência acerca de uma sociedade partida ao meio, da desassistida solidão dos mais pobres, dos resquícios de uma exclusão herdada da escravatura.
Como já disse, não é hora de ficar resmungando sobre a realidade, nesses dias e noites em que o exercício de racionalidade abre alas para os adereços da paixão e da euforia.
Rompida a alvorada da quarta-feira de cinzas, os nobres fictícios de tantas passarelas, sobre as quais escoam hoje país afora, os cordões do Carnaval, irão, com justiça e razão, continuar reivindicando a construção de avenidas mais amplas e generosas, por onde passará um país mais digno e mais próximo daquele que os brasileiros merecem.
Concordo com os que pensam que o Carnaval é um evento mais complexo do que parece. Acredito que sua diversidade e sua irreverência tantas vezes crítica não entorpecem, não iludem -pelo contrário, iluminam, revelam e expõem fantasias que não amortecem, mas desafiam a realidade.
Esteja você onde estiver, bom Carnaval! E que depois dele possamos nos reencontrar com a nossa realidade mais alegres, mais solidários, mais dispostos a ousar e a sonhar. Porque disso também é feito um país: de solidariedade, de ousadia e de sonho.
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