FOLHA DE SP - 20/02/12
SÃO PAULO - Fossem um desfile de escola de samba, os lances da sucessão municipal paulistana até aqui já teriam o seus indicados para o estandarte de ouro.
Enredo: Fernando Haddad, com "Do Itaim que não era Bibi aos invasores da USP - a vida é feita de tropeços". O carnavalesco estreante do PT, afilhado do patrono da escola, traduziu a pedregosa dialética marxista para a linguagem da avenida. A troca do nome do bairro popular da capital expressou, na verdade, seu desejo de ascensão para o povo. Na ala "A USP não é a cracolândia", soldados da PM assistem a aulas de antropologia 2 e depois convencem alunos a desocuparem a reitoria.
Samba-enredo: José Serra, por "Já disse que não sou candid...". Obra-prima das ideias ambíguas, dos sentidos escondidos nas frases, das reviravoltas inesperadas. O compositor tucano aperfeiçoa-se no gênero em que se destaca há muitos Carnavais; sua técnica ficou tão apurada que a canção parece nunca acabar. O refrão "Ô Geraldo, meu governador, detone as prévias por favor" já grudou na mente dos foliões.
Alegoria: mestre (e doutor) Gabriel Chalita. Nunca tantos livros e autores desfilaram na avenida em forma de pura alegoria. A mente criativa do professor, literato, filósofo e divulgador de ideias promove conversas improváveis à frente do espectador boquiaberto. Maquiavel vem discutir com Étienne de La Boétie -mas Michel Temer entra na conversa de repente. A técnica da repetição encontra aqui o seu clímax.
Mestre-sala e porta-bandeira: Kassab e Lula. Os autores da coreografia inspiraram-se, pela primeira vez na história deste país, na sintaxe do tango argentino. O bailarino corteja o portador da bandeira estrelada com gestos rasgados e arriscados -chega a ser hostilizado pela claque. Mas foge e faz biquinho quando a outra parte já parece seduzida. Insinua-se um terceiro elemento na cena. O cheiro de traição fica no ar.
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