FOLHA DE SP - 31/01/12
Se a temperatura da crise baixou um pouco, o deboche, porém, continua a aumentar.
No fim de semana, o jornal britânico "Financial Times" descobriu um termo de rendição incondicional da Grécia. Ou melhor, as novas exigências que Alemanha e cia. queriam impor aos gregos em troca de empréstimos adicionais.
Os termos: haveria um comissário europeu para controlar o Orçamento do governo da Grécia (o protetorado informal não basta); a lei grega deveria estipular que os credores do governo terão prioridade sobre outras despesas.
Faltou dizer apenas que navios de guerra tomariam o Pireu (o porto perto de Atenas) e controlariam as rendas da alfândega, como era costume dos imperialismos do século 19 e começo do 20.
O vazamento constrangedor ocorreu na antevéspera da cúpula europeia de ontem, que discutia, claro, crise, a lei europeia para punir países deficitários, a criação do "mini-FMI" europeu (o novo fundo para socorrer governos) e "crescimento com empregos" (rir, rir, rir).
Crescimento com arrocho? Quando e onde será possível?
Mesmo que a eurolândia volte a crescer uns 1,5% no ano que vem, a renda (PIB) per capita da região ainda estará ABAIXO da registrada em 2007. A situação da média dos salários é ainda pior.
No caso de Irlanda, Grécia, Portugal, Espanha e mesmo do Reino Unido (fora do euro), o ponto de estagnação talvez seja ultrapassado apenas entre 2016 e 2018.
O escárnio continuava ontem. A lei linha-dura contra o endividamento pode exigir que países inscrevam em suas constituições a proibição de deficit públicos.
Um servidor britânico debochou, segundo relatos de quem cobre a cúpula: "Querem criminalizar o keynesianismo" (grosso modo, a política que prevê gastos maiores do governo quando um país vive recessão em que consumo e investimento não dão pinta de ressuscitar).
"Keynesianismo", ou coisa que o valha, não pode. Emprestar meio trilhão de euros a 1% ao ano para os bancos pode.
Claro, sem os "empréstimos de última instância" do BCE, poderia haver desastre horrendo na Europa (quebra de bancos em série).
Se der certo, o plano do BCE pode induzir a banca a emprestar um pouco mais para empresas e consumidores (por ora, empresta menos).
Enfim, melhor que o presidente do BCE seja o sensato Mario Draghi, que substituiu o fundamentalista Jean-Claude Trichet, que elevou juros na Europa ainda no ano passado, talvez alucinando ao confundir as almas penadas do desemprego com o espectro da inflação.
Mas, tudo considerado, o empréstimo do BCE ainda é um presente.
Enquanto isso, a Grécia negocia o seu calote, e Alemanha e cia. pensam onde vão arrumar mais dinheiro para tapar o rombo grego. Mesmo deixando de pagar aos bancos, mesmo com "pacotes de socorro", ainda falta algum para fechar a conta da dionisíaca dívida grega. E os tropeços gregos voltam a causar tremores no esquecido Portugal. O mundo gira, os lusitanos rodam.
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