terça-feira, janeiro 31, 2012

É um erro plebiscito para reforma política - EDITORIAL O GLOBO


O GLOBO - 31/01/12
Considerada no passado a "mãe de todas as reformas", a da legislação que rege eleições e a vida partidária se converteu numa intenção consensual, mas só na aparência. Quando se trata de detalhar o que fazer, as divergências afloram e fica evidente não haver apoio no Congresso para serem feitas as mudanças mais debatidas: alterações no sistema eleitoral, financiamento público de campanha, dois dos temas mais polêmicos.

Diante do impasse, políticos tentam encontrar atalhos para superá-lo. Na Era Lula, levantou-se, sob inspiração chavista, a fórmula da "miniconstituinte" ou "constituinte exclusiva", para tratar do assunto. Não avançou, nem poderia, porque havia cristalinas intenções golpistas por trás do projeto. Terceiro mandato consecutivo, especulava-se, era um dos ingredientes do pacote a ser desembrulhado tão logo fosse quebrada a regra de proteção da Constituição pela exigência de quórum qualificado para modificá-la. Surge, agora, a proposta do deputado Miro Teixeira (PDT-RJ) de um plebiscito com as eleições de 2014. Entende o parlamentar, de grande experiência no Congresso, que esta seria a maneira de forçar consensos no Legislativo. Além disso, como a população sempre suspeita que deputados e senadores só legislam em causa própria, envolvê-la na reforma política daria legitimidade à nova legislação.

Boas intenções, mas de sucesso impossível. À parte o necessário cuidado toda vez que se pensa em acionar algum mecanismo de democracia direta, a complexidade do que está há tempos em discussão é obstáculo insuperável a que a população vote de forma consciente, sabedora em detalhes de todas as implicações de qualquer alteração profunda no sistema eleitoral e na fonte de financiamento dos gastos em campanha, os dois assuntos a serem apresentados na consulta, pela proposta de Miro.

Não é de fácil entendimento a agenda da reforma política. Avaliar se o modelo de "votação proporcional" que escolhe deputados e vereadores é melhor ou pior que o "voto distrital misto", ou o "distritão", e ainda se o ideal não seria a "lista fechada" não é tarefa adequada a plebiscitos ou referendos - estes, convocados para consultar o povo sobre leis já aprovadas, caso do comércio de armas tratado no Estatuto do Desarmamento.

Assuntos complexos, distantes da realidade prática das pessoas, não devem ser colocados sob o escrutínio plebiscitário do "sim" ou "não". O sistema de democracia representativa existe para, em nome do povo, fazer a filtragem no processo parlamentar de debate e de busca de posições comuns.

Se propostas de mudanças em legislações sob proteção de quórum qualificado não mobilizam apoio para serem aprovadas no Parlamento é porque este consenso não existe na própria sociedade. Por que forçá-lo por meio de artifícios como plebiscitos? Mais uma vez, gasta-se tempo e energia numa empreitada infrutífera. Como cada sistema eleitoral tem vantagens e desvantagens, não haverá como se construir maiorias consistentes para alterações radicais. O melhor é mesmo partir para revisões tópicas, nada heroicas e radicais. Como o fim de coligações em eleições proporcionais e a instituição de uma cláusula de barreira que faça jus ao nome.

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