FOLHA DE SP - 21/01/12
Uma crise econômica é sempre percebida como algo que foi provocado pelos outros
Ninguém pode ficar indiferente ao que se passa com a economia da zona do euro.
Se o bloco não reencontrar com certa urgência o caminho da estabilidade financeira e do crescimento econômico, os efeitos da crise se farão sentir em todo o mundo.
A recuperação americana será prejudicada e as exportações da China vão declinar. Desses dois centros, os efeitos recessivos se espalharão para todas as economias relevantes, o Brasil entre elas.
Depois de um período de perplexidade e hesitação, os governos europeus estão buscando com dificuldades mecanismos capazes de lidar com a crise das dívidas soberanas dos países mais vulneráveis e com a debilidade de todo o sistema bancário europeu.
Há muita gente que sabe das coisas que diz que os remédios estão vindo sempre tarde e em doses insuficientes. O que parece haver é uma dualidade de tempos, uma falta irremediável de sincronia, pois os mercados querem soluções instantâneas, já que seu mundo é o do curto prazo e sua medida são os índices diários.
Do outro lado estão os governos, representando sociedades complexas e informadas e lidando com questões que afetam a própria existência humana.
E, mais complicado ainda, governos operando para além das fronteiras do Estado-nação, num espaço institucional e em formação.
De qualquer modo, a economia é sempre algo mais simples que a sociedade. O mundo já viveu outras crises e aprendeu um pouco com elas. O avanço técnico no processamento das informações torna o diagnóstico das situações mais preciso e a própria ciência econômica, com todas as suas imperfeições, está hoje muita mais apta que antes a prescrever soluções relativamente eficazes.
Por tudo isso, eu, que não sou especialista nessas altas questões, tenho grande confiança em que a economia da crise será, mais cedo ou mais tarde, bem resolvida.
Mesmo porque os mercados não são inteiramente insensatos, como as agências de classificação de riscos, e sabem que num confronto final eles perderão muito -e, nesse caso, talvez não encontrem Estados suficientemente fortes para resgatar seus prejuízos.
A questão que me preocupa é a política da crise.
Por trás de qualquer política econômica há inevitavelmente perdedores e ganhadores. E há políticas em que quase todos perdem, pelo menos nos primeiros momentos.
Na Europa, ao lado de instrumentos financeiros para garantir a rolagem das dívidas fiscais e a liquidez do sistema bancário, estão em fase de implantação rigorosos programas de ajuste fiscal cuja consequência será necessariamente menos serviços públicos, mais desemprego e menos crescimento econômico.
Ou seja, a vida das pessoas comuns vai piorar e suas expectativas se tornarão cada vez mais sombrias. Como elas reagirão a tudo isso?
A maioria das sociedades europeias é democrática há muito tempo e dispõe de todos os meios para expressar suas opiniões e sua vontade. Uma crise econômica não é uma guerra, em que uma nação esquece suas diferenças para enfrentar um inimigo comum. Essa crise é sempre percebida como algo que foi provocado pelos outros -bancos, financistas, outros países, ou mesmo o próprio governo.
Nas crises econômicas, as diferenças se acentuam e as sociedades perdem, mesmo que momentaneamente, o cimento que as congrega.
Há especialistas de renome que declaram abertamente que ajuste fiscal no meio de uma recessão é medida equivocada, por razões estritamente econômicas. Se considerada de um ponto de vista político, ou seja, da sua legitimação, chega a ser quase uma coisa insana.
Todos nós que não apenas somos influenciados pela economia da Europa, mas, principalmente, nos sentimos herdeiros de sua cultura e da maioria dos seus valores, o que mais podemos desejar é que os líderes europeus não assistam passivamente ao esgarçamento dos laços sociais europeus e que aproveitem as duras realidades da crise para levar mais longe o sonho de uma Europa unida por laços do consentimento e das formalidades institucionais.
Mantenham as pessoas confortáveis, enquanto o barco é reparado.
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