Um homem ou mulher até 29 anos merecer proteção especial do Estado é uma ridícula extravagância
O Senado Federal vai examinar no próximo ano o projeto do Estatuto da Juventude, aprovado recentemente pela Câmara dos Deputados. A leitura do projeto deu-me a impressão de que estamos legislando sobre problemas que não existem, enquanto deixamos de discutir e de enfrentar as questões que realmente importam.
A proliferação desses estatutos baseados em identidades e que se destinam a criar direitos privativos a determinadas classes de cidadãos é, em minha opinião, um retrocesso republicano.
A República é um sistema que procura considerar as pessoas numa unidade geral, assegurando a todos o mesmo tratamento. Sempre que se decompõe esse todo em identidades particulares para a atribuição de direitos exclusivos estamos abrindo uma porta que talvez depois não saibamos como fechar.
A única exceção que se impõe é o tratamento especial para os mais pobres. Todas as demais são divisivas e desintegradoras.
Esse projeto em particular contém alguns equívocos. Vou me deter em apenas dois.
Considerar, como o projeto considera, que um homem ou mulher de até 29 anos é ainda um jovem a merecer proteção especial do Estado e da sociedade é uma ridícula extravagância.
Como para nossas redes de proteção os brasileiros a partir de 60 anos já são considerados idosos, apesar de todas as mudanças demográficas que estão em curso, os brasileiros entre 30 e 60 anos podem, com razão, se considerar uma categoria de excluídos.
Quanto mais particularizarmos a distribuição de benefícios legais, menos República seremos. Parece inesgotável nossa capacidade de imaginar e de declarar direitos, mas não podemos nos esquecer de que a vida republicana é um balanço entre direitos e deveres.
Um aspecto claramente equivocado, embora não o único, desse Estatuto é a determinação, por lei federal, do privilégio de meia-entrada para eventos artísticos e esportivos.
Esse assunto só pode ser de competência local, do município onde se der o evento. Se até essas minúcias do cotidiano local passam para a esfera federal, já é hora de abolirmos a ficção de um Estado federal, onde mais nada é da competência de municípios e de Estados.
Além disso, legislar sobre como companhias privadas e indivíduos podem cobrar ingressos sobre performances artísticas ou esportivas é uma invasão totalitária da esfera privada, uma completa confusão entre os domínios do indivíduo e do Estado.
Se desejamos continuar vivendo na liberdade da economia de mercado, não podemos tolerar que o Estado crie privilégios econômicos, sem pagar diretamente por eles.
Um espetáculo teatral ou uma audiência musical são empreendimentos puramente privados, que envolvem riscos privados e são o resultado do trabalho de numerosas pessoas, a maioria das quais trabalhadores de renda média ou baixa, que extraem dessa atividade a renda e o salário para sustentar suas vidas.
Que esse novo jovem de 27 ou 28 anos, geralmente de classe de renda alta, pois pobres não podem chegar a essa idade sem trabalhar, possa desfrutar do trabalho dessa comunidade de trabalhadores da arte e da cultura, pagando apenas a metade, é uma patética injustiça.
Se a cultura, como é dito, é um direito básico e isso justifica a meia-entrada até para essa juventude tardia, o que se fará em relação a outros direitos muito mais básicos, como a alimentação, os medicamentos, o abrigo, a vestimenta e outros mais? Vamos criar o meio-preço também para essas utilidades? E o custo, vai recair sobre industriais e comerciantes?
Nunca devemos nos esquecer de que os êxitos brasileiros na cultura e nos esportes são fruto da iniciativa e do esforço individual de artistas e esportistas, e não o resultado de políticas governamentais decisivas.
Vamos deixar que essas pessoas tão importantes para o país quanto os jovens recolham o benefício do seu talento e do seu trabalho. Se não pudermos fazer alguma coisa por eles, vamos deixá-los em paz, longe das lógicas sinuosas da política.
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