A enrolação como política
ROLF KUNTZ
O ESTADÃO - 02/11/11
Pelas contas do Planalto, até a crise internacional deve ajudar nas eleições de 2012 e na preparação da campanha de 2014. Mas o plano, um tanto ousado, pode sair caro a médio prazo. O governo aposta no esfriamento da economia para frear a inflação com os juros em queda e sem contenção de gastos. Ao mesmo tempo, e um tanto estranhamente, conta com o crescimento da receita para alcançar sem esforço a meta fiscal neste ano e no próximo. A disposição de evitar qualquer política séria foi duas vezes confirmada em menos de uma semana. O Ministério da Fazenda cortou um tributo e adiou a elevação de outro para conter temporariamente os preços. Isso foi chamado de política "heterodoxa". Mas é só um truque de ocasião.
O primeiro lance foi para amortecer o efeito de um aumento de preços da gasolina e do diesel. Para isso foi cortada a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) paga sobre combustíveis. O segundo foi o adiamento, até maio, da cobrança do aumento do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) recolhido sobre cigarros.
Ao mexer nos tributos, o governo evitou o impacto imediato em alguns preços e, é claro, nos índices de inflação. Mas isso não é política anti-inflacionária. A inflação não é causada por aumentos de impostos nem pelo encarecimento de alguns produtos. O processo inflacionário sempre envolve mudanças de preços relativos, mas a recíproca não é verdadeira. No caso brasileiro, cortes de impostos podem conter os preços a curtíssimo prazo, mas novos aumentos voltarão a ocorrer, se a demanda for suficiente para absorvê-los.
Apesar de alguma piora no ambiente econômico, não há sinal, por enquanto, de redução significativa da procura. Pesquisa da Federação do Comércio do Estado de São Paulo mostrou uma redução das perspectivas de consumo das famílias, mas o indicador ficou em 135,3 pontos, ainda muito elevado e praticamente igual ao de um ano atrás. Esse índice varia de zero a 200 pontos e é considerado positivo acima de 100.
Em agosto, segundo o IBGE, o volume de vendas no varejo foi 0,4% menor que em agosto e 6,2% superior ao de agosto de 2010. Os indicadores mensais diminuíram em oito dos dez segmentos cobertos pela pesquisa, mas, apesar disso, a demanda se manteve elevada. De janeiro a agosto, ficou 7,2% acima da registrada no ano anterior.
Em setembro, a desocupação observada nas seis maiores áreas metropolitanas ficou em 6%, o menor número para o mês desde 2002. A massa de rendimentos foi 1,9% menor que a de agosto - efeito evidente da inflação - e 1,4% maior que a de um ano antes. Com o emprego elevado e o crédito ainda em expansão (aumento de 1,7% no saldo de operações com recursos livres, em setembro), a própria inflação, por enquanto, é o principal fator de susto para os consumidores.
Como vem sendo observado há meses, há um descompasso entre a atividade industrial e a demanda interna. A produção caiu 2% em setembro, segundo informou o IBGE nesta terça-feira, mas a procura continua sendo suprida pelo fornecedor estrangeiro. Em outubro, o valor exportado, US$ 22,1 bilhões, foi um recorde para o mês, mas o bom resultado se deveu, novamente, às cotações dos produtos básicos. Em contrapartida, o valor importado, US$ 19,8 bilhões, também foi recorde, mas sem efeito especial de preços.
O valor gasto com bens de capital estrangeiros, US$ 3,9 bilhões, foi 10,3% maior que o de 12 meses antes. A produção interna de bens de capital, no entanto, diminuiu 5,5% de agosto para setembro e foi 0,2% maior que a de igual mês de 2010. As importações de bens de consumo, US$ 3,5 bilhões, ficaram 17,2% acima das de um ano antes. As de matérias-primas e bens intermediários, US$ 8,7 bilhões, custaram 11,8% mais que em outubro de 2010.
Muito mais que um esfriamento conjuntural da economia, há um claro problema de competitividade, mas o governo insiste em enfrentá-lo com medidas de alcance mínimo, como as do Plano Brasil Maior. A própria inflação torna o Brasil menos competitivo, ao ampliar de forma continuada o descompasso entre custos internos e externos, mas o governo despreza esse dado. A mesma indisposição para agir com seriedade se manifesta na política fiscal. O superávit primário tem dependido basicamente da arrecadação. Em setembro, as contas ainda foram ajudadas pela valorização efêmera do dólar, graças ao volume de reservas e à posição credora em moeda estrangeira.
Para manter os cortes de juros e obter o superávit primário programado para 2012, sem desconto de investimentos, o governo precisará cortar gastos estimados entre R$ 60 bilhões e R$ 67 bilhões, segundo consultorias citadas pelo Estado. Seria uma forma de atacar os problemas, em vez de contemporizar. Mas o governo parece ter esquecido essa cultura.
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