quarta-feira, novembro 02, 2011

MURILO ARAGÃO - O cisne negro, o mercado e a política ante a doença de Lula


O cisne negro, o mercado e a política ante a doença de Lula
MURILO ARAGÃO
O TEMPO - 02/11/11

O mercado tende a ser míope quando se trata de política. Às vezes me pergunto se tal deficiência decorre de insuficiência intelectual - hoje mais do que comprovada com a sucessão de tolices e tragédias feitas pelo mercado financeiro e em nome dele mundo afora. Pelo menos no Brasil, a miopia do sistema não é justificada.

Entre meados dos anos 1990 e 2010, a lucratividade dos bancos foi de 196% contra 29% das empresas. O lucro extraordinário deveria ter estimulado uma visão mais reflexiva e até mesmo mais humana do mundo dos negócios. Não é o que acontece. O calote grego, que esperamos seja pedagógico, como foram os calotes russo e argentino, é a prova da "competência" e do "descortino" do sistema. Se existe o governo por trás bancando - o que não é nada "neoliberal" -, tudo funciona bem. Calotes não existem e os lucros vêm de forma avassaladora.

A capa da "The Economist" da semana passada é emblemática: "nowhere to hide". Conversando com banqueiros e investidores em Londres na semana passada, a sensação que tive foi a mesma que tenho em relação à oposição brasileira: cachorros que caíram do caminhão de mudança e não sabem para onde ir. Aqui, ainda bem, é tudo diferente. Os governos FHC e Lula estabeleceram padrões elevados de governança das instituições financeiras, mantiveram mais de 50% do sistema debaixo das asas estatais e, ainda por conta de explicações mirabolantes, mantiveram os juros muito acima do razoável.

Pois bem, confiantes de que as coisas continuam indo bem, pouco a pouco se distanciam da política. Como bem explicou uma das melhores comentaristas econômicas do país, Thais Heredia, a demissão de Orlando Silva provou a "desimportância" da política para o mercado. Infelizmente, não é assim. Quem despreza a política será punido por ela.

A política tem um imenso potencial de destruição daquilo que chamamos de "mercado". A prova está na produção monumental de estrume pelos organismos políticos da Europa e no resultado catastrófico que isso resultou. Nicolas Sarkozy, pateticamente, afirmou que a Grécia não poderia ter entrado na Comunidade Europeia porque deu informações falsas! Ora bolas, será que os mecanismos institucionais comunitários e os próprios mecanismos de análise dos gigantescos bancos europeus não foram capazes de identificar a "roubada" em que estavam se metendo? Claro que não.

No afã de obter resultados e na adesão não reflexiva aos cânones ditos neoliberais, embarcaram na canoa furada e agora o erro vai custar caro para o cidadão comum europeu. Ora, o mercado financeiro brasileiro - abençoado tanto por lucros estratosféricos quanto por agentes reguladores competentes e clientes bons pagadores - não deve se afastar do que é a análise política. Vai que aparece um "cisne negro"?

Pois bem, antes mesmo de concluir este artigo, surgiu a notícia da doença de Lula. Foi triste e irônico. Na sexta-feira fiz palestra para investidores em Londres. Ao responder à pergunta sobre o que poderia dar errado no Brasil na cena de curto e médio prazos, disse que, entre o previsível - incompetência, burocracia, ineficiência - e o imprevisível - uma doença, um atentado terrorista ou coisa que o valha -, temia o imprevisível. Um "cisne negro", algo inesperado e fora do radar.

Infelizmente, o "cisne negro" apareceu: a doença de Lula. Felizmente, as chances de cura são razoáveis: acima de 60%. A feliz coincidência da ida ao hospital para examinar o mal-estar de dona Marisa fez com que o tumor fosse descoberto. Considerando o fato e o histórico de lutas e de sorte que acompanham Lula, tudo vai ficar bem. Porém, não devemos, jamais, deixar de pensar em como o processo político vai funcionar.

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