Photoshop
ANTONIO PRATA
FOLHA DE SP - 02/11/11
O que é o perfil no Facebook senão a capa da sua revista? O Twitter, senão sua coluna? O Instagram, sua galeria
A comediante americana Tina Fey, criadora da série "30 Rock", publicou recentemente sua autobiografia ("Bossypants", editora Reagan Arthur, inédito no Brasil). No livro, Tina dedica quase um capítulo inteiro ao Photoshop. O que se pergunta é: como equacionar a crítica à pressão para que toda mulher seja jovem, magra e bonita, com o onipresente programa de computador, que a deixa jovem, magra e bonita, toda vez que aparece numa revista?
Mais ainda: sendo humorista, e, portanto, tendo por ofício mostrar o que há de ridículo e humano por trás da pompa, da empáfia, da hipocrisia e demais tapumes, não estaria ela cometendo falsidade ideológica, ao sair em ensaios fotográficos com as orelhas de abano aplainadas e os pés de galinha surrupiados digitalmente?
Acredito que tais dúvidas vão além do universo das celebridades, das feministas ou dos humoristas. Afinal, desde que trocamos o balcão da padaria pelo salão bem mais amplo das mídias sociais, nos transformamos em pequenos personagens numa enorme competição midiática. O que é o perfil no Facebook senão a capa da sua revista? O que é o Twitter, senão sua coluna? O Instagram, sua galeria, o blog, seu jornal. E, como ninguém quer mostrar orelhas de abano ou pés de galinha, seja no rosto, seja na alma, vivemos num mundo cada vez mais retocado.
Por trás da falsa descontração dos tuítes, podemos ver as piadas encolhendo a barriga, as críticas estufando o peito, as celulites de nossas inseguranças escondidas sob leves camadas de sarcasmo. O resultado é uma abundância de opiniões e uma escassez de vozes. Muita inteligência e pouca sinceridade. Todo mundo bem protegidinho e parecido, como os corpos corrigidos no computador. Não quero parecer um desses apocalípticos que creem que o mundo piora na medida em que a tecnologia avança. Pelo contrário, parece-me que estamos bem melhor hoje do que há 30 ou cem anos, mas é que tenho achado a vida um pouco chata, as pessoas um tanto falsas -eu, principalmente.
Talvez isso não tenha nada a ver com a época, mas seja fruto da minha idade. Trinta e poucos anos. O idealismo da adolescência já se esgotou, a sabedoria da maturidade ainda não chegou. É nesse hiato que costuma brotar o cinismo, maior de todos os Photoshops. Agora mesmo, sussurra em meu ouvido que esse papo de autenticidade é uma bobagem. Que a verdade é apenas mais um equívoco do século 20 ou da juventude, como o socialismo ou a seleção de 82. Promete, em troca de uma ilusão puída e dois ou três sonhos não realizados, seu pacote completo: agilidade nas relações, rapidez nas decisões, uma vida tranquila e vazia.
No fundo, a proposta mefistotélica do cinismo é a mesma questão de Tina Fey, diante do Photoshop, e a mesma que temos que responder, a cada vez que abrimos a boca ou postamos uma informação nas redes sociais: afinal, o que queremos, dizer a verdade ou aparecer bem na foto? É uma pergunta ingênua, sussurra alguém ao meu lado. Talvez. Mas garanto que é uma pergunta sincera.
PS. Abraço ao vizinho de terça, Rubem Alves, que deixa de escrever sua coluna na Folha. Bom descanso. Mesmo não te conhecendo, era uma honra morar ao seu lado.
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