quarta-feira, novembro 30, 2011
O perigo de o Brasil repetir erros - EDITORIAL O GLOBO
O Globo - 30/11/2011
A possibilidade de a crise europeia obstruir os canais de distribuição de crédito no mundo, numa reedição, em escala mais atenuada, daquela paralisia do sistema financeiro global ocorrida em setembro de 2008, com a falência do Lehman Brothers, passou a ser concreta no início da semana. Enquanto os ministros de finanças da União Europeia se preparavam para uma reunião ontem e hoje em Bruxelas, sinais de que o crédito começava a se retrair ficaram mais fortes.
Temerosos com o aumento do risco do sistema bancário europeu, devido ao impasse nas negociações entre Alemanha e França sobre a formulação de um programa que impeça calotes "selvagens" de dívidas de países no continente, bancos encolheram linhas de financiamento. Empresas e países são afetados de maneira direta nessas corridas do dinheiro em busca da segurança: juros sobem, títulos têm dificuldades de lançamento, negócios e investimentos são adiados. O resultado é o cumprimento da profecia dos economistas mais pessimistas - Nouriel Roubine na liderança - de que à primeira recessão mundial, ocorrida em fins de 2008/2009, sucederia uma outra. Estaríamos à borda do precipício.
O clima está tão sombrio que o fato de a Itália ter conseguido vender títulos de dívida foi comemorado. Preferiu-se deixar de lado o fato de a operação ter sido fechada apenas porque o país aceitou pagar juros nas nuvens, de 7,89%, insustentáveis. Convenciona-se, na Europa, que, ao pagar taxas acima de 7%, o devedor será forçado, cedo ou tarde, a renegociar o débito. Pode ser que a reunião de ministros e as conversas que não cessam entre os governos alemão e francês produzam algum facho de esperança num acerto pelo qual o Banco Central Europeu possa garantir bônus dos endividados em excesso. Se isso acontecer, alguma soberania fiscal eles terão de perder.
Mas, caso o pior ocorra, o Brasil tem a experiência de 2008 e 2009, até para não cometer o mesmo erro: ao injetar liquidez na economia, a fim de se contrapor aos efeitos recessivos de fora, evitar inflar os gastos públicos em custeio (salários de servidores, por exemplo), pois são geralmente despesas impossíveis de cortar no futuro. Foi o que aconteceu. O caminho indicado é o dos investimentos, mesmo que Brasília tenha extrema dificuldade gerencial de fazê-los. Basta lembrar que, de janeiro a outubro, os investimentos efetivos em obras do PAC caíram 14% em relação ao mesmo período do ano passado.
Porém, será menos difícil resistir à tentação de ampliar as despesas em custeio, porque o governo não precisa aquecer a economia em função de alguma eleição presidencial à vista. O "orçamento paralelo" do BNDES, pelo qual o Estado se endivida a custo elevado para permitir ao banco liberar crédito subsidiado a empresários eleitos, é mais um risco, pois, além de outras distorções, cria um passivo para o contribuinte oculto na contabilidade pública. O BC deve fazer, hoje, mais um corte nos juros, novo estímulo à economia. Há, ainda, indutores creditícios a serem acionados no caso do agravamento externo. O próprio aumento de mais de 14% do salário mínimo, em janeiro, servirá de barreira a choques externos negativos.
O perigo é, mais uma vez, Brasília usar a crise externa como licença para heterodoxias que geram um preço a pagar no futuro.
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