FOLHA DE SP - 26/11/11
A DRU aguarda votação no Senado sem que a sociedade demonstre a menor preocupação
O drama que está sendo vivido pelos países da zona do euro é um exemplo muito esclarecedor dos limites que a economia impõe à política. Durante muito tempo, o modo de funcionamento dos Estados europeus era louvado por quase todo o mundo como o mais perfeito dos regimes fiscais, conciliando a economia de mercado com uma extensa proteção social, que cuidava das pessoas desde o berço até o túmulo.
As transformações demográficas elevaram o custo dessas proteções, sem que os países pudessem elevar ainda mais seus impostos, sem perder competitividade com o resto do mundo. Como a política não compreendeu as advertências e o cálculo frio da economia, os governos preferiram endividar-se além dos limites, para manter inalterados os direitos e os benefícios e, não menos importante, também manterem-se no poder.
Tudo isso foi inútil. As falsas soluções não são feitas para durar. A hora da verdade acabou chegando e os direitos e benefícios sagrados vão ser duramente sacrificados. Quase todos os governos foram abalados e o futuro das novas gerações nunca foi tão incerto. Para nós, que vivemos no âmbito da civilização ocidental, a Europa foi sempre uma fonte preciosa e inesgotável de inspiração e de exemplo. Mais uma vez é de lá que vem a melhor lição.
A política e os parlamentos vivem da aprovação popular. Num mundo em que os laços de solidariedade não têm mais lugar e em que a coesão social e o sentimento de comunidade desapareceram, cada cidadão tende a ver os governos apenas do ponto de vista dos seus interesses particulares e imediatos.
Compartilhar interesses e conciliar o presente com o longo prazo passou a ser a extravagância de uma minoria. Assim está criado um ambiente que não contribui para a solução do problema.
Essas reflexões me vêm à mente a propósito do regime fiscal do Estado brasileiro. Nesse mundo ferido por tantos desequilíbrios, contas públicas em ordem são o nosso passaporte para atravessar as turbulências e preservar o papel do Estado no caminho para uma sociedade mais desenvolvida. O equilíbrio fiscal nos permitirá juros menores e mais civilizados e ainda assegurar que o governo possa fazer o que é próprio dos governos.
Para que isso seja possível é necessário, no mínimo, produzir superavit primários que estabilizem ou mesmo reduzam a proporção da dívida pública em relação ao PIB (Produto Interno Bruto). Mas o Orçamento fiscal brasileiro está estruturado de tal forma que a maior parte das despesas não é decidida quando da votação anual. Foi decidida muito antes, através das vinculações constitucionais, um mecanismo perverso pelo qual uma maioria parlamentar eventual decide autoritariamente como as gerações futuras gastarão o dinheiro dos impostos, quaisquer que sejam suas novas preferências.
As despesas obrigatórias, como pessoal e previdência, mais as vinculações, tomam quase todo o Orçamento, impedindo o governo de investir, quando isso é extremamente necessário, como hoje, ou de realizar uma poupança essencial para pagar os juros da dívida, impedindo que ela cresça acima do crescimento da renda nacional.
Para escapar desse dilema, todos os governos recorreram ao recurso de flexibilizar temporariamente a utilização de parte dos recursos cuja aplicação é vinculada, para dispor de um mínimo de liberdade.
É o que se chama de DRU (Desvinculação de Receitas da União), recém-aprovada na Câmara e aguardando votação no Senado, sem que a sociedade demonstre a menor preocupação com a sua aprovação, que, no entanto, é crucial para os seus verdadeiros interesses.
A cada vez que recorre ao Parlamento, o governo tem de repetir os mesmos argumentos e fazer as mesmas concessões. E se não for aprovada? Como ficaremos?
A racionalidade econômica está se tornando uma moeda muito rara no sistema político. Parece que nesses tempos é mais difícil fazer o que é certo do que cometer grandes erros.
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