sábado, novembro 26, 2011

Direito da igualdade ofendido - WALTER CENEVIVA




FOLHA DE SP - 26//11/11


Reconhecer que a igualdade jurídica não é absoluta é diametralmente diverso de aceitar excessos

Tem sido frequente, nos meios de comunicação social, a avaliação desfavorável de segmentos da administração pública -no sentido amplo em que são enunciados no art. 37 da Constituição. Desfavorável sempre que servidores ou agentes públicos recebem vantagens de entes privados, que a imensa maioria do povo nem compreende nem obtém.

Em tempos mais recentes, o Poder Executivo, que às vezes era poupado, entrou na berlinda, com "esquecimentos" e "hesitações" inviáveis ou inacreditáveis de componentes seus. Os integrantes do Legislativo, nos três níveis de governo, eram os frequentadores mais constantes das críticas. Nestes dias, o Poder Judiciário parece o escolhido como a bola da vez. Como ocultar as dezenas de acusados de terem participado em condutas delituosas por magistrados não identificados que incluem em suas funções a condenação de delinquentes?

No Executivo, os escândalos vieram por atacado, como o caso das "caronas" que figurões da política aceitaram em jatinhos de poderosos, com a "vantagem" de se livrarem de passageiros comuns, até dizendo que não sabiam quem era o dono do avião. Tomados em conjunto, ofendem a cabeça do art. 5º da Carta Magna que começa dizendo: "Todos são iguais perante a lei". Embora se compreenda que a igualdade absoluta é impossível, os excessos noticiados são inaceitáveis. Essas práticas diárias não são compatíveis com a igualdade de todos.

O privilégio de Luiz Inácio Lula da Silva, no seu tratamento de saúde, mereceu destaque. Todavia, cabe lembrar que todos os ex-presidentes da República têm direito próprio, individual, de vantagens especiais, à vista do cargo que ocuparam, com as garantias que lhes são atribuídas, situação comum em muitos países. Lula mostra que a igualdade legal não é dado absoluto, mas ajustado à circunstância -com interpretação restritiva- de momentos diversos da vida do servidor público.

O princípio da igualdade só admite alternativas muito restritas. A severidade conceitual foi solapada, para mais além do aceitável. Os "espertos" começaram fruindo pequenas vantagens; depois médias vantagens. Quando chegaram às grandes vantagens, estas passaram a ser exigidas como coisa natural. A inconsciência moral do erro foi estimulada pelo curso do tempo. O que pareceu normal transformou-se em direito. Não deve ser assim. O dinheiro público é público porque é de todos.

A igualdade é norma básica no direito de cada cidadão. A admissão do limitado grupo de exceções não pode ser cínico expediente facilitador da crise dos costumes. Reconhecer que a igualdade jurídica não é absoluta é diametralmente diverso de aceitar os excessos que temos visto.

Será bom que a retomada dos costumes sadios seja viabilizada e implantada, a contar do respeito pelos interesses da administração, que são os do povo. A persistência das distâncias sociais é o estímulo vigoroso para a difusão da ilegalidade crescente e não punida. Falta ética legal retratada no brocardo sem vergonha: "Haja moralidade ou comamos todos". Espalhada no povo a convicção de que só o corrupto triunfa e progride com seus apaniguados, a base da sociedade equilibrada se enfraquece e se destrói. O di-reito balança. O tecido social se rompe. Sem salvação.

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