Monique e a Justiça
ANDREI BASTOS
O GLOBO - 12/11/11
Monique tem uns 30 anos e está no oitavo mês de gravidez do nono filho. Sim, foi isso mesmo que você leu: nono filho! Isso seria apenas uma coisa incomum nos dias de hoje se a história dessa mãe não fosse um rosário de sofrimentos.
Monique é muito pobre e mora na Cidade de Deus, onde sua vida faz o inferno parecer um paraíso. De uma primeira relação, com o homem para quem foi dada aos 15 anos pela mãe, nasceram quatro filhos — três meninos, hoje com 11, 9 e 5 anos, e uma menina, hoje com 7 anos.
Com o fim desse relacionamento, por força da fuga de Monique da violência doméstica praticada pelo marido, e o começo de outro, mais quatro crianças nasceram — três de apenas uma gravidez. Um dos trigêmeos morreu e nos sobreviventes foi constatada uma alergia mortal à lactose. O abismo se abriu.
O pai das primeiras crianças, segundo relatos de Monique, além de espancá-la com frequência, começou a abusar sexualmente da própria filha — e esta passou a praticar com os irmãos o que aprendeu. Essa criança, que sempre manifesta medo do pai e da casa dele, teve despertada uma epilepsia insuspeita.
Para maior infelicidade de Monique, o mundo cão em que vive não se restringe à sua família e à sua casa, ganhando a dimensão do próprio mundo. Apesar de ter reagido e se separado do homem a quem foi dada como mulher, ela e seus filhos sofreram um revés terrível com a concessão da tutela antecipada da guarda das crianças determinada pela própria Justiça para o pai suspeito de abusador. Com o atordoamento natural de quem já perdeu a noção da própria dor e problemas de saúde graves que podem comprometer sua vida durante o parto, Monique ainda encontra forças para lutar pelos filhos que a cegueira da Justiça lhe roubou e pela vida dos gêmeos sobreviventes, que só podem se alimentar de um leite especial e caro.
Mas que Justiça é essa que, literalmente cega, se deixou levar por labirintos obscuros de favorecimento à possível sordidez humana? Talvez a explicação esteja fora dos tribunais e se encontre nos descaminhos do pai. E que poder é esse, que torna comuns infernos como o de Monique? Que obsessão move alguém para obter a guarda de crianças e, como se não bastasse, para abrir inúmeras ações judiciais contra a mãe?
Este é o fio puxado da história dessa mãe que, com gravidez avançada, procurou ajuda na OAB/RJ para conseguir o leite especial para seus bebês gêmeos alérgicos à lactose. As pessoas se mobilizaram e conseguiram o leite e a casa da Cidade de Deus. Mas Monique precisa de muito mais, precisa de justiça!
ANDREI BASTOS é jornalista e integra a Comissão de Direitos Humanos da OAB/RJ.
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