Deixem a Justiça evoluir
JOSÉ RENATO NALINI
FOLHA DE SP - 22/10/11
Só pode ser contra a resolução do Tribunal de Justiça de São Paulo que autoriza o julgamento virtual de recursos repetitivos quem não conhece -ou não interessa conhecer- como são decididas essas causas.
O demandismo desenfreado é um fenômeno que para alguns significa índice democrático: afinal, todos litigam e a Constituição Federal promete que haverá um juiz em cada esquina, pronto a decidir todo e qualquer tipo de conflito.
Até questiúnculas que poderiam ser resolvidas após conversa franca e paciência dos contendores para ouvir a parte contrária.
O excesso de ações judiciais é prejudicial para todos.
Converte o Judiciário numa função ineficiente, ineficaz e inefetiva. Desilude o sequioso de justiça e aumenta a sensação de que nada de sério funciona no Brasil.
Os julgadores mais sensíveis com a situação desconfortável tiveram de adotar técnicas de aceleração do julgamento, até mesmo porque -servos do pacto federativo- querem assegurar às partes a duração razoável do processo, que é um direito fundamental.
Diante de temas reiteradamente levados à sua apreciação, elaboram o seu voto, mantendo a orientação predominante na turma julgadora e o remetem -por via eletrônica- ao revisor ou segundo juiz. Este, acordando com o primeiro, o encaminha também por intranet ao terceiro. Isso se faz nos gabinetes, após detido exame dos autos. Completa-se o julgamento sem a necessidade do ritual que apenas ratifica o anteriormente decidido.
Não se pense inexistir divergência. Mas esta, em Câmaras julgadoras formadas por julgadores experientes, é resolvida antes da sessão. Raríssimas as vezes em que a sustentação oral -feita após o relatório lido aos presentes em sessão pública- vai alterar o entendimento dos desembargadores.
Quem quer alterar a jurisprudência cuidará de elaborar boas razões e de oferecer memoriais objetivos, concisos, focados nos pontos controvertidos. Ninguém será insensível a uma abordagem nova, desde que argumentos ponderáveis venham a ser oferecidos.
O Tribunal de Justiça de São Paulo é -com certeza- a maior corte judiciária do mundo. Precisa adotar estratégias de fazer frente ao exagerado acúmulo de processos. Valer-se de tecnologia que é utilizada sem resistência pelo sistema financeiro, pelo comércio, pela interação que é hoje arma obrigatória de participação da cidadania em todos os temas de interesse coletivo.
O objetivo do Tribunal de Justiça não é apenas assumir o princípio republicano da eficiência, obrigatório a toda prestação estatal. É contribuir para mostrar à população que temas já pacificados não precisam ser submetidos ao dispendioso, complexo e quantas vezes ininteligível sistema judicial.
Talvez com isso os profissionais da área jurídica assumam o compromisso de levar a sério as alternativas de resolução de conflito que possam vir a reduzir a litigiosidade sem a intervenção heterônoma do Poder Judiciário.
É preciso conscientizar toda a comunidade do direito, a mais resistente a aceitar as novas tecnologias, irreversíveis e que podem facilitar o convívio entre as pessoas, a converter o Judiciário num serviço público ágil e eficiente.
A própria Justiça mostrou-se durante muito tempo infensa às inovações. Quando ela dá um passo, ainda tímido como o do Tribunal de Justiça de São Paulo, é preciso confiar que foi resultado de estudos e de meditação. Confiram a ela um voto de confiança. Não somem com os seus detratores e com aqueles que parecem tirar proveito da disfunção da Justiça, até torná-la inócua e descartável.
JOSÉ RENATO NALINI é desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo e integrante do Órgão Especial que aprovou a resolução do julgamento virtual dos processos repetitivos.
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