A volta do cacoete do protecionismo
EDITORIAL
O Globo - 20/09/11
O aumento do IPI em surpreendentes 30 pontos percentuais sobre veículos com menos de 65% de conteúdo nacional reflete bem um tipo de pensamento vigente em Brasília saudosista dos tempos da reserva de mercado, quando qualidade e preço eram questões menores.
Importante era garantir o máximo de “autossuficiência” no maior número possível de setores. Eficiência empresarial e o interesse do consumidor ficavam em segundo plano.
A barreira tarifária é um retrocesso em relação à saudável abertura deste mercado à concorrência externa, iniciada no governo de Fernando Collor, que, com razão, tachou de "carroças" os automóveis brasileiros.
Como o brasileiro não tinha alternativas, os veículos continuavam ultrapassados. Só começaram a ser melhorados com o choque de concorrência.
Esta e outras reservas de mercado, como a de computadores, foram fator de atraso em incontáveis ramos de atividade, obrigando a sociedade a arcar com preços altos para ter produtos de baixa qualidade, quando não era obrigada a apelar para o contrabando. Caso dos computadores. Ganhos de produtividade na economia deixaram de ser obtidos devido àquela política.
Com este salto no IPI de veículos importados parece ter sido restabelecida a aliança entre sindicatos de trabalhadores e a Fiesp. Antes da abertura do país para o exterior, a partir do início da década de 90, mercados protegidos da concorrência externa permitiam preços nas alturas para sustentar generosos aumentos salariais, sem reduzir a margem de lucro dos empregadores.
A impressão digital do lobby está na própria abrangência da elevação do imposto, calibrado para atingir quem ainda não tem fábrica no Brasil, basicamente chineses e coreanos.
Dos 531 mil veículos importados de janeiro a agosto, 76% (401.719) estariam fora de alcance do tarifaço, pois são trazidos por fábricas instaladas no Brasil de suas unidades na Argentina e México, sob proteção de regras do Mercosul e de um acordo especial de tributação.
Assim, apenas 24% das importações (129.281, de janeiro a gosto) seriam atingidos. Ou menos de 7% do mercado. Pouco, mas deve ter incomodado alguém.
Partia-se do pressuposto de que barreiras alfandegárias defendiam empregos. Uma ilusão, pois, sem concorrência, investimentos eram adiados e, consequentemente, a própria geração de novos empregos era prejudicada. Sem considerar que o primeiro passo para a instalação de fábricas no país é a abertura de canais de importação.
Conquistado o consumidor, parte-se para a substituição de importações. Foi assim que as primeiras fábricas de automóveis vieram para o Brasil.
Ao sucumbir ao lobby empresarial e sindical, o governo aborta este processo e prejudica o consumidor. Seja pelo efeito indireto da redução da concorrência interna — aumento de preços dos modelos “nacionais”— ou pelo encarecimento em si do produto importado.
Isso porque Brasília prefere não trilhar o caminho — mais difícil, porém o correto — de melhorar o ambiente de negócios, para que empresas instaladas no país consigam compensar o peso de um câmbio valorizado (aliás, no momento já não tão valorizado assim).
Por preferir não atacar para valer a desmesurada carga tributária, a burocracia e o problema da infraestrutura deficiente, prefere recorrer ao protecionismo puro e simples, quando a indústria caminha cada vez mais para cadeias de suprimento globalizadas.
O Brasil engatou marcha à ré.
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