sexta-feira, agosto 26, 2011

MÍRIAM LEITÃO - Sentido dos tempos


Sentido dos tempos
MÍRIAM LEITÃO
O GLOBO - 26/08/11

Não procurem sentido na economia dos tempos atuais. O Japão teve sua dívida rebaixada esta semana pela Moody's e, em seguida, a agência japonesa ameaçou rebaixar também. E o que houve? O Banco Central teve que intervir para deter a valorização do iene. A moeda do país atingido por terremoto, tsunami, desastre nuclear, recessão e crises políticas não para de subir.

O iene subiu 8,4% em relação ao dólar desde abril. Isso fez com que o Banco Central japonês tivesse que inventar políticas para evitar a supervalorização da moeda do seu enfraquecido país. Esta semana, anunciou que usará US$ 100 bilhões de suas reservas para ajudar os exportadores japoneses, que estão tendo dificuldades de competição em outros mercados porque a moeda forte está tirando competitividade dos seus produtos.

O Japão terá agora o sexto governo em cinco anos. O país é a terceira maior economia do mundo e tem este grau de instabilidade política. Claro que a democracia está forte, mas o país não consegue formar governos estáveis, o que se soma à enorme incapacidade de crescer. Ele passou longo tempo em vida vegetativa e quando parecia que voltaria a crescer foi atingido pelo triplo choque deste ano. Resultado: voltou a cair em recessão.

Para recuperar as áreas atingidas pelo terremoto-tsunami-desastre nuclear, o Japão teve que aumentar o gasto público, aprofundando o déficit. O que complica mais o quadro é que a dívida japonesa é de 200% do PIB. A vantagem é que é uma dívida detida principalmente pelos próprios japoneses. Seja a quem for, o fato é que o Japão deve dois japões e está com déficit. Logo, faz sentido que as agências de risco considerem que o país precisa ser rebaixado. A Moody's estabeleceu que ela é AA3 em vez de AA2.

Mas não é que no mesmíssimo dia do rebaixamento o BC japonês teve que intervir para segurar o iene, que não parava de subir, dada à procura pela moeda por investidores interessados em se proteger da turbulência global? O governo japonês resolveu proteger sua indústria gastando esses US$ 100 bi de reservas, mas a valorização do câmbio está fazendo com que as empresas japonesas saiam pelo mundo comprando outras que, para elas, ficaram baratas. A Kirin, de capital japonês, por exemplo, está tentando comprar a brasileira Schincariol.

Em março, o iene bateu pela primeira vez, desde 1995, o 80 por dólar. Este ano, já subiu 5,1%, mas como se pode ver no gráfico abaixo a onda vem de longe e é enorme. Desde 2007, o iene se valorizou 53% sobre a moeda americana. O governo anunciou um plano para tentar enfraquecer a moeda sem intervir de forma mais explícita no mercado de câmbio.

Não é a única esquisitice do momento. Outra aconteceu nos Estados Unidos, logo após o anúncio da Standard & Poor's de que a dívida americana, pela primeira vez na história daquele Tesouro, tinha perdido a nota máxima. Perdeu um A e ganhou mais interessados em títulos do seu Tesouro, o mesmo que uma semana antes quase dera um calote na dívida. A procura foi tanta pelos Treasury Bills que os juros caíram ao nível mais baixo da história recente. Enquanto os Estados Unidos atraíam todos esses investidores, eles fugiam de todos os outros ativos, derrubando, na correria, as bolsas do mundo inteiro, entre elas, a nossa, que nada tem a ver com a história.

Ontem, outra coisa estranha foi o rumor de que as agências poderiam derrubar a nota da dívida alemã. Ora, a Alemanha é que segura a Europa, tem um déficit de 2,5% do PIB previsto para este ano, foi de 3% no ano passado e acaba de anunciar um pacote de ajuste fiscal de C 80 bilhões. Os alemães são conhecidos por terem mais rigor fiscal, resultado de um passado hiperinflacionário que entrou na genética do povo. Já a França tem uma dívida de 87% do PIB e um déficit de 7% que só voltará a ficar abaixo de 3% em 2014. Fez um pacotinho fiscal de C11 bilhões, que tem mais charme - cobra mais impostos dos ricos - do que músculos, mas mesmo assim as agências confirmaram a nota máxima da França. Nada disso faz sentido.

Menos sentido ainda faz a debandada dos investidores de todas as moedas em direção ao franco suíço. A Suíça é, como se sabe, um pequeno país de PIB de US$ 590 bilhões, que é 15% do PIB Alemão. Não tem dimensão para ser porto seguro de investidor nenhum. O governo suíço, coitado, tenta conter a avalanche com todo o tipo de medida e mesmo assim a moeda sobe 29% em 1 ano sobre o dólar. Outro dia, para espantar esses investidores intrometidos o governo suíço ameaçou vincular sua moeda ao euro. As duas oscilariam juntas, para cima ou para baixo. Isso equivale a abraçar o afogado, porque o euro é aquela moeda sobre a qual se fala que pode entrar em colapso. É de dar nó na cabeça a conjuntura econômica atual e suas conexões sem sentido.

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