Não perder o afã
BENJAMIN STEINBRUCH
FOLHA DE SP - 16/08/11
Algumas turbulências chegarão ao Brasil; sejam marolinhas ou marolonas, teremos de surfá-las
QUEM VIU o filme "Inside Job", documentário sobre a crise de 2008, certamente se lembra de uma declaração marcante de Andrew Sheng, diretor da China Banking Regulatory Commission, a respeito de uma das distorções do mercado financeiro naquele momento.
"Por que os engenheiros financeiros devem receber de quatro a cem vezes mais que os engenheiros convencionais?", pergunta Sheng.
"Engenheiros convencionais constroem pontes, engenheiros financeiros constroem sonhos. E, quando esses sonhos viram pesadelos, os outros é que pagam a conta por eles."
Excessos das instituições financeiras no fornecimento de crédito nos Estados Unidos, e também na remuneração milionária de seus "criativos" funcionários, explicam grande parte da crise de 2008. Mas não explicam a atual.
Desta vez, os bancos e as demais instituições financeiras, que pagam regiamente seus executivos, estão mais ou menos sólidos, pelo menos até agora. A origem da maior crise é a fragilidade dos fundamentos dos governos do mundo desenvolvido e sua duvidosa capacidade de arcar com o pagamento de suas dívidas.
Para o Brasil, que, felizmente, mais uma vez, está fora do epicentro da crise, não faz muita diferença a origem dela. Importa é que, nos dois casos, a ameaça principal é de desaceleração ou mesmo de recessão na economia mundial, o que obviamente atinge o país. O Brasil pode ser muito prejudicado pela queda dos preços das commodities, dada a sua condição de grande produtor dessas matérias-primas.
Nossas respostas à crise, portanto, não podem ser muito diferentes das de 2008. Em primeiro lugar, antes que seja tarde, o BC deve reduzir de imediato os juros. Nada justifica que a taxa estratosférica de 12,5% ao ano seja mantida na situação atual. É bom lembrar que, em 2008, o BC foi pego no contrapé ingenuamente elevando os juros de 13% para 13,75% cinco dias antes da quebra do Lehman Brothers. Depois disso, demorou meses para iniciar o movimento de redução.
Não há razões objetivas para pânico no país, desde que seja feita a lição de casa. O Brasil está hoje tão forte para reagir à crise quanto estava em 2008. Em alguns critérios, está até melhor. Tem reservas cambiais de US$ 350 bilhões -US$ 150 bilhões a mais-, e o deficit fiscal está sob vigilância. Nada impede, portanto, que, após a redução dos juros, se necessário, sejam reprisadas medidas de apoio ao consumo que tão bem funcionaram em 2008, com corte de impostos em setores estratégicos e oferecimento de crédito.
Nessa área do financiamento, a situação também é mais confortável, tanto interna como externamente. Lá fora, não há o travamento do crédito às exportações. Aqui dentro, o sistema financeiro privado continua a fornecer recursos, ao contrário do que ocorreu na crise anterior, quando houve o fenômeno conhecido como "empoçamento de liquidez" e o governo foi obrigado a lançar mão das instituições financeiras estatais para irrigar o mercado.
A inflação interna também está em queda e o endividamento público, de 56% do PIB, ainda não preocupa. A equipe econômica do atual governo já mostrou ser sensível à questão do crescimento econômico.
Felizmente, pertence ao passado o comportamento focado unicamente no controle monetário, sem nenhuma responsabilidade sobre os estragos que essa política tivesse sobre a atividade econômica, o consumo e os empregos.
Ao empresário, neste momento, cabe manter a crença no país, em seu enorme mercado interno com quase 100 milhões de consumidores de renda média e na possibilidade de superação das dificuldades. Investimentos não devem ser adiados, até porque em momentos como este fica melhor para investir.
Lá fora, a crise é de confiança nas lideranças dos países avançados. Aqui, não há por que reproduzir essa suspeita.
Ao cidadão cabe consumir com responsabilidade, mas sem receios. Foi o destemor dos consumidores que tirou o Brasil da crise de 2008/9 e deu início a um período de forte crescimento econômico. Não podemos perder esse afã. Algumas turbulências certamente chegarão ao país. Sejam elas marolinhas ou marolonas, teremos de surfá-las.
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