terça-feira, agosto 16, 2011

ARNALDO JABOR - Dois filmes profetizaram o presente

Dois filmes profetizaram o presente
ARNALDO JABOR
O ESTADÃO - 16/08/11

Em 1996, escrevi sobre dois filmes que me arrepiaram a espinha.

Um deles foi "Forrest Gump" e o outro "Independence Day", filme catástrofe-ufanista que todos viram. Foram dois sucessos internacionais e dois recados para o mundo de hoje. Não era preciso ser profeta para ver nosso triste presente nos filmes americanos dos anos 90.

Relendo hoje os dois textos, vejo que as condições objetivas para a "desconstrução" do mundo atual já estavam sendo cozinhadas no fogão das bruxas. Dava para ouvi-las cantando, como em "Macbeth": "Something wicked this way comes" (Coisas terríveis vêm por aí...).

Na era Clinton, a sabotagem dos republicanos já estava rolando. Não deram um minuto de sossego para o homem. A cada dia, inventavam uma nova sacanagem. Foram acusações imobiliárias em Whitewater, pecados em Little Rock, até que, um belo dia, caiu do céu o "boquete" fatal da Monica Lewinksy, dando chance ao promotor Kenneth Starr de liderar a campanha mais implacável que vi na vida e que hoje se consolida com a recente vitória dos "tea parties" fascistas, a Ku Klux Klan do Capitólio.

Hoje, já dá para ver que as administrações democratas, dos anos 60 até Clinton, foram fogos fátuos; vemos que os democratas são exceções fortuitas, pois a verdadeira América tem um DNA republicano.

Naqueles filmes, já estava inscrito o desejo psicótico desse país, que sempre teve a capacidade de se auto--criticar e reformar, mas que agora talvez esteja num estágio de inexplicável autoimolação. O cinema americano sempre foi um sintoma.

Quando vi "Forrest Gump", percebi (e escrevi) que alguém como Bush viria nos infernizar a vida. Estavam ali os sinais.

Primeiro, espantou-me o infinito sucesso de "Forrest Gump". Foi uma bilheteria gigantesca. Por quê? - pensei. E escrevi que aquele filme transformara 30 anos da história americana num trem de banalidades, desmoralizando as lutas românticas que a América travou nos anos 60 e 70.

Um raro analista do "New Yorker" disse: o filme "reduz o tumulto das últimas décadas a um parque temático de realidade virtual: uma versão da Disney para os baby-boomers".

É o que acho.

"Forrest Gump" condena os que criticaram o conformismo e o preconceito. Tudo aquilo que contestou o sonho americano, tentando aperfeiçoá-lo, é ridicularizado para impor uma suprema "sabedoria do idiota", superior a qualquer reflexão culta ou politicamente moderna.

O movimento negro foi transformado num grupo de loucos que espancam mulheres; os hippies, liderados por um Abbie Hoffman imbecil , parecem mendigos e palhaços; as liberdades sexuais conquistadas são viradas em sujas orgias pecaminosas e decadentes; os heroicos veteranos do Vietnã, aleijados e abandonados, foram retratados como detestáveis mentirosos, numa justificação sobre covardes como Bush que, na época, vivia alcoolizado no Texas, fora da guerra, pelas graças do seu papai.

No filme, a namorada de Gump, Jenny, é punida por seus excessos, já que ela foi hippie, namorou um negro e contestou a guerra em Washington. Por isso, morre castigada por um vírus misterioso, uma clara sugestão da Aids. Escrevi na época: "Forrest Gump" é o precursor do que seremos. Ele é o habitante ideal da sociedade conformista do futuro. É o idiota que venceu". Bush, em 2004, discursou em Yale para os alunos: "Eu sou a prova de que um mau estudante pode ser presidente...!".

"Gump" foi lançado em 95. E, logo depois, em 96, um outro filme prefigurou a América e o mundo de hoje: "Independence Day" - e não só ele, mas outros, como "Godzilla", "Deep Impact", "Armagedon"...

Também senti um arrepio do horror : se "Forrest Gump" era o personagem, "Independence Day" criava o cenário e o contexto.

Para quem não viu, "Independence Day" conta a história de ETs invadindo os Estados Unidos. Com o fim da Guerra Fria, os americanos ficaram sem inimigos claros. No imaginário de Hollywood, os inimigos passaram a ser os rebeldes e psicopatas antissociais que "Gump" condena ou então, no caso de "Independence", os ETs - uma clara metáfora para invasores estrangeiros. Quem seriam eles? Os chicanos, talvez, os islâmicos, os excluídos, nós - de Governador Valadares? Quem tinha ocupado o lugar dos comunistas?

Em plena propaganda da "globalização liberal", que ainda se considerava multilateral, já estava ali, visível a olho nu, o nacionalismo republicano se preparando, o protecionismo e a paranoia unilateral contra o resto do mundo.

E mais: o filme denotava um desejo inconsciente de autodestruição.

Escrevi em 96: "O filme atende aos desejos dos terroristas (muito antes de Osama bin Laden agir como um cineasta de filme-catástrofe). No filme, a América é destruída com fogo e sangue, espatifada com amor e ódio.

No filme, vemos um pavoroso "delírio de ruína" misturado com um patriotismo vingativo. Os marginais e vagabundos (como os contestadores dos anos 60) vibravam na cena em que os ETs destroem a Casa Branca".

Quando vi "Forrest Gump", tive um mal-estar de que algo importante estava mudando; quando
vi "Independence Day", tive a visão esquisita de um futuro muito torto. Senti que a barra pesaria nos Estados Unidos, vi que o "God zilla" republicano já andava solto.

Aí, o 11 de Setembro chegou e disparou a nova era.

Hoje, estamos assistindo à síntese desses dois filmes sintomáticos: imbecis reacionários tomando o poder contra Barack Obama ("negro comunista com nome islâmico que tem de ser destruído") e as receitas econômicas que enfiaram na goela do presidente negro, que são o contrário do necessário, fórmulas que levarão os Estados Unidos a uma derrocada maior do que a que Bush conseguiu na imagem do país.

Forrest Gumps destroem o país como em "Independence Day".

Agora, sinto medo e depressão. A ficção virou realidade? Ou será o contrário?

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