Contas contadas
MIRIAM LEITÃO
O GLOBO - 15/07/11
Três boas ideias foram incluídas nas regras que terão de ser obedecidas pelo governo para elaborar o Orçamento do ano que vem. As três correm o risco de ser vetadas pela presidente Dilma. Por elas, o governo tem de reduzir o déficit público; registrar toda a emissão de título do Tesouro na lei orçamentária; e limitar o aumento do gasto de custeio à elevação do investimento.
A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) é uma espécie de moldura na qual o governo faz o Orçamento. Em tese, é ótimo: o Congresso determina que o governo prepare a proposta dos gastos do ano seguinte segundo aqueles princípios; o governo faz então o Orçamento e envia ao Congresso. Na prática, tudo é muito mais desorganizado e desrespeitado.
Quem sabe um dia a peça orçamentária será de fato transparente, compreensível por todos os cidadãos pagadores de impostos, respeitada e livre de desvios. Quem sabe, um dia? Não custa sonhar que a democracia brasileira, apesar de todos os problemas que tem tido, será capaz de se aperfeiçoar.
Na LDO deste ano, deputados e senadores de oposição conseguiram aprovar propostas que podem tornar as contas públicas menos rudimentares. O senador Aécio Neves (PSDB-MG) conseguiu incluir uma emenda, estabelecendo que títulos da dívida emitidos pelo Tesouro Nacional terão que constar do Orçamento ou dos créditos adicionais, qualquer que seja a finalidade, forma de emissão ou despesa que esse título cobrirá.
Razoável e lógico. Se o governo se endivida em nome dos cidadãos, tudo tem que estar lá no Orçamento. Não existe uma dívida pública e uma dívida pública do B. Quando todos os gastos estiverem explicitados e toda a dívida estiver contabilizada, maior será a transparência dos gastos e compromissos do governo no uso dos impostos pagos por todos.
A explicação do senador é que hoje há risco de descontrole porque certos títulos não são registrados. "Nesta modalidade estão aqueles, por exemplo, emitidos para serem trocados por outros ativos financeiros, como os papéis da dívida do BNDES."
Ele explica no texto da emenda que, recentemente, a MP-526 autorizou a emissão dos títulos da dívida no valor de R$ 55 bilhões. Isso não entra nem no Orçamento, nem nos créditos adicionais, porque é considerado uma troca de ativos, já que o banco emite um papel de sua dívida para o Tesouro. "Nesta operação, o orçamento fica às escuras", diz o texto da emenda.
Tudo fica às escuras, na verdade. Como supostamente o BNDES um dia pagará ao Tesouro, o endividamento não entra também na conta da dívida líquida. Nos últimos anos, foram R$ 230 bilhões de dívida contraída para subsidiar o BNDES, e agora mais R$ 55 bilhões. "Esta é uma iniciativa básica em favor do ordenamento fiscal, a que a economia do País não pode prescindir."
Em outra tentativa de evitar o descontrole, o Congresso aprovou que o governo tenha uma meta de déficit nominal - cálculo que inclui o gasto com o pagamento de juros - em 0,87%. Ou seja, o Congresso não está determinando que o governo tenha equilíbrio nas contas.
Admite um pequeno déficit, mas obriga o setor público a reduzir o déficit atual, que é de 2,6%. Na verdade, o Brasil deveria ter agora - e ter tido no ano passado - déficit zero. Deve buscar o equilíbrio nos anos bons, para haver espaço para déficit nos anos difíceis; é isso que se chama de política contracíclica.
O governo quis fazer política contracíclica quando foi a hora de ampliar os gastos para reduzir a recessão em 2009. Mas na hora de cortar e mirar o déficit zero, a política não tem defensores dentro do governo.
Outra ideia aprovada é a de que os gastos de custeio da máquina pública não possam crescer mais do que a ampliação do investimento. Sensato. Afinal, os investimentos é que têm de crescer, e não as despesas de custeio da máquina. A proposta é que não se inclua nesse limite educação, saúde e despesas de pessoal. Ou seja, não há nenhum radicalismo.
Se são boas ideias, o governo vai aceitá-las? Pior é que se dá como certo que serão vetadas pela presidente. Se o fizer, estará mais uma vez perdendo uma oportunidade. O próximo Orçamento será o primeiro que Dilma Rousseff fará em seu governo, já que o de 2011 foi feito no governo anterior. Ela poderia deixar uma marca de busca de austeridade, mudança de parâmetros, inclusão de novos conceitos. Mas a má ideia de reduzir a frequência da divulgação dos dados sobre as obras do PAC foi recebida com entusiasmo. Em vez de relatórios a cada quatro meses, agora eles serão semestrais. Ideia proposta pela base do governo.
Digamos que a presidente entenda que estabelecer o déficit nominal em 0,87% amarraria muito o governo, porque se os juros subissem o superávit primário teria de subir para compensar. Então apresente uma proposta para que o País se mova do conceito de superávit primário, que está envelhecido, para o que é verdadeiramente importante, que é o resultado nominal. A meta precisa ser, mesmo que a médio prazo, levá-lo a zero. Isso ajudaria a derrubar os juros e, portanto, o custo da dívida.
Não faz sentido algum que o governo se endivide para financiar bancos públicos, que vão usar esses recursos em empréstimos subsidiados, sem que o custo de tudo isso não esteja de forma clara, transparente, precisa na contabilidade pública e no Orçamento federal.
Portanto, é boa a ideia do senador Aécio Neves. A democracia se aperfeiçoa exatamente assim: com o setor público prestando contas da forma mais exata possível do que faz - ou escolha deixar de fazer - com o dinheiro que é seu, meu, nosso.
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