Entenda este impasse
CELSO MING
O Estado de S. Paulo - 15/07/2011
Quarta-feira, a Moody"s, principal agência de classificação de risco, advertiu o mercado global que rebaixará os títulos da dívida do Tesouro dos Estados Unidos, caso o Congresso não autorize um aumento do teto da dívida americana. Foi o que ajudou a derrubar as bolsas e tirou o interesse pelas demais aplicações de risco.
É a primeira vez na história recente dos Estados Unidos que os títulos da dívida, que continuam sendo a referência (ou seja, aqueles com os quais se comparam os demais), estão sob advertência de perda de qualidade.
Todo rombo orçamentário (despesa maior que a receita que, neste ano, deve ultrapassar US$ 1,6 trilhão nos Estados Unidos) é coberto com emissões de títulos. Ou seja, o Tesouro, hoje comandado pelo secretário (ministro de Finanças) Tim Geithner, toma dinheiro emprestado para cobrir a diferença. O documento (nota promissória) entregue para quem empresta o dinheiro é o Título (ou Nota) do Tesouro dos Estados Unidos.
A lei fixou um limite para o endividamento. Não pode passar dos US$ 14,29 trilhões, nível atingido em maio e que pode ser ultrapassado no dia 2 de agosto. Se o Congresso não autorizar a elevação desse teto, faltarão recursos para cobrir as despesas correntes do governo. A velocidade com que a dívida dos Estados Unidos está aumentando a torna insustentável. E isso exige um programa imediato de corte de despesas e/ou de aumento de receitas.
O atual impasse está na diferença de projetos. O presidente americano, Barack Obama, propõe um pacote que prevê redução de despesas e crescimento de receitas da ordem de US$ 4 trilhões em dez anos. O Partido Republicano, na oposição, contrapõe com cortes de US$ 2,4 trilhões, sem aumento de impostos. Para que a autorização do alargamento do tamanho da dívida esteja em vigor até 2 de agosto, um acordo terá de ser atingido até o dia 22. Se até lá o Tesouro americano não obtiver o mandato do Congresso, quatro coisas podem acontecer: (1) o Tesouro deixa de pagar certas contas sociais, como seguro-desemprego e seguro-saúde; (2) o governo federal demite funcionários públicos, como Estados e municípios americanos têm feito; (3) o Tesouro deixa de pagar títulos à medida que forem vencendo; (4) haverá uma combinação das três medidas anteriores.
A quebra (default) dos Estados Unidos parece improvável. Mas a simples elevação do teto da dívida não resolve o problema de fundo. A questão principal está na rápida deterioração das condições fiscais do país. No final dos anos 90, quando Bill Clinton era o presidente americano, o debate principal era sobre o que fazer com o enorme superávit fiscal que vinha acontecendo. Na época, o presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), Alan Greenspan, por várias vezes chegou a examinar o impacto que a sobra de arrecadação teria sobre a condução da política de juros: não haveria títulos do Tesouro em nível suficiente para que o Fed pudesse comprar ou vender no mercado, de maneira a injetar ou retirar moeda para definir o nível dos juros. A saída - dizia Greenspan - seria operar a política monetária com títulos privados. Mas, de lá para cá, os Estados Unidos queimaram dinheiro em duas guerras simultâneas, veio a crise de 2007/2008 e a recessão, por sua vez, derrubou a arrecadação.
CONFIRA
Não é pra já
O presidente do Fed, Ben Bernanke, não está conseguindo se comunicar. Um dia depois de dar a entender que poderia partir para uma nova rodada de afrouxamento quantitativo (emissão de dólares para recompra de títulos do Tesouro dos Estados Unidos), Bernanke fez questão de colocar ênfase na afirmação de que nenhuma iniciativa desse tipo está no seu radar. Foi um dos fatores responsáveis pelo tombo dos mercados no dia de ontem.
Teste de quê?
Está agendada para hoje a divulgação dos resultados dos testes de estresse, cujo objetivo é apontar os bancos europeus com maior necessidade de aumentar seu capital
para enfrentar o risco de inadimplência. O problema é que o próprio critério desse teste está sob dúvida. Se o Banco Central Europeu avisa que os títulos de Portugal e Grécia são tão bons como os da Alemanha, o que pensar dos resultados desses testes, se esse mesmo entendimento for estendido para os ativos dos bancos europeus?
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