A privataria está de olho no HC
ELIO GASPARI
O GLOBO - 08/05/11
Alckmin nunca quis privatizar a Petrobras, mas o dr. do Hospital das Clínicas pôs encrenca na sua porta
O TUCANATO GOSTA de atravessar a rua para escorregar na casca de banana que está na outra calçada. Há uma semana, soube-se que o governo do doutor Geraldo Alckmin suspendeu o programa de reforço privado do ensino de idiomas para jovens da rede pública de São Paulo. Dentro do binômio educação-saúde, o superintendente do Hospital da Clínicas, Marcos Fumio Koyama, anunciou que pretende elevar de 3% para 12% a taxa de privatização dos atendimentos no maior centro médico do país.
O avanço da privataria sobre o HC se dará pela expansão da porta dos clientes de planos de saúde. Todos os brasileiros têm direito aos serviços dos hospitais públicos. Pretende-se ampliar uma pirueta pela qual um tipo de cliente receberá atendimento diferenciado.
O plano, contado à repórter Laura Capriglione, colocaria o Hospital das Clínicas no paradigma do Instituto do Coração. Lindo paradigma. Em 2006, por conta de aventuras políticas e de maus administradores, o InCor quebrou e, com uma dívida de R$ 250 milhões, foi à bolsa da Viúva. Em agosto passado, uma auditoria do SUS constatou que a fila para alguns exames na sua portaria de baixo tinha de oito a 14 meses de espera (um ano para um ecocardiograma infantil). Na portaria de cima, atendimento imediato. São muitos os truques. Um deles é simples: pelo SUS a patuleia precisa cumprir uma série de etapas e consultas para chegar ao exame; pelo plano privado, basta uma solicitação do médico.
A segunda porta dos hospitais públicos é um caso de apropriação privada do patrimônio da Viúva, patrocinado por burocratas e operadoras que obstruem o ressarcimento, pelos planos de saúde, do atendimento de seus clientes na rede do SUS. No momento em que hospitais da Viúva e as operadoras criam um sistema híbrido dentro do SUS, constrói-se a pior das situações, uma rede pública para usufruto privado. A complementaridade das duas redes não passa pela criação de uma porta preferencial. É o contrário: uma só porta, com um só tipo de atenção, e o ressarcimento é tratado noutro andar, na seção de contabilidade.
Segundo os defensores das duas portas, os recursos captados junto às operadoras melhorariam o atendimento da clientela do SUS. Nada impede que o serviço melhore numa porta e continue deficiente na outra, ou que a instituição quebre, como ocorreu com o InCor.
O doutor Koyama informa que atualmente os planos de saúde pagam pelo equivalente a 3% dos atendimentos e contribuem com R$ 100 milhões anuais, ou "10,6% das nossas receitas". Essa conta não fecha. O orçamento de 2009 do HC, publicado em seu relatório anual, diz que a receita da instituição foi de R$ 1,4 bilhão. Admitindo-se que a receita deste ano seja igual à de 2009, os 10,6% viram 6,9%. Se alguém tolerar um desvio desse tamanho ao tirar a pressão de um paciente, coitado dele.
Na campanha eleitoral de 2006, quando o PT inventou que Alckmin pretendia privatizar a Petrobras, ele teve que vestir um jaleco da empresa para desmentir a falsidade. Agora, com o superintendente do HC anunciando que pretende quadruplicar o tamanho da porta privatizada do HC, ele pode tirar as medidas para um novo jaleco.
MESADINHA
Em Minas Gerais, ocorreram vários casos em que candidatos a vereador com boas chances de vitória receberam ofertas de mesadas de R$ 20 mil até a eleição do ano que vem. Um dos corretores dessa base de apoio já passou pelo noticiário do mensalão e, como não poderia deixar de ser, está espetado no Supremo.
O HOMEM DE ELITE
Quem estiver interessado num trabalho de alto nível sobre as ações de forças especiais, está nas livrarias americanas "Spec Ops", do almirante William McRaven, o comandante da tropa que matou Osama bin Laden.
Ele analisa oito casos famosos de ações semelhantes. Vai de êxitos como o resgate israelense de 102 passageiros de um avião sequestrado no aeroporto ugandense de Entebbe, em 1976, ao fracasso do ataque à prisão norte-vietnamita de Son Tay, em 1970, onde deu tudo certo, mas os prédios estavam vazios.
Quando jovem, McRaven queria ser jornalista. Ele conta seus casos com a cabeça analítica de um veterano e a narrativa minuciosa de um bom repórter. Lendo-o, vê-se que o último ato da ação de Abbottabad foi simples como descascar uma banana. Ainda assim, os americanos perderam um helicóptero. O e-book está no ar por US$ 14,99.
BOA NOTÍCIA
No dia 15, começa a integração da linha ferroviária da SuperVia com o Bilhete Único dos ônibus do Rio. Por R$ 3,70 será possível ir de Santa Cruz ao Leblon.
Há poucos meses, a antiga direção da SuperVia, que foi comprada pela Odebrecht, dizia que não se integraria "nem morta".
A BANCADA DOS PENDURADOS NO STF
Existe no Congresso uma bancada silenciosa, a dos parlamentares que respondem a processo no Supremo Tribunal Federal. O portal Congresso em Foco mostrou que são 66 os doutores. Um em cada dez deputados está espetado no Supremo, formando a terceira bancada em tamanho por partido e a segunda por Estado. No Senado, os espetados são nove, novamente um em cada dez.
São muitos os fatores capazes de explicar esse fenômeno. Há delinquentes no plenário, a Justiça é lenta, o STF está sobrecarregado e todo mundo tem direito à defesa. O resultado, contudo, cria redes nocivas de interesses e constrangimentos. Aqueles que sabem quanto devem preferem ficar com o rabo preso. Os que não devem nada ficam presos à suspeita.
Vinte e três processos têm mais de cinco anos, e o senador Jader Barbalho, com nove ações penais, tem um inquérito aberto em 1997.
A maioria dos litígios é relativamente jovem, e 19 referem-se a crimes eleitorais.
Por enquanto, o campeão de processos (o que não significa que neles tenha culpa) é o deputado Alberto Camarinha (PSB-SP), com seis ações penais e sete inquéritos. Entre outras coisas, é acusado de três crimes contra a ordem tributária, tráfico de influência, incêndio e formação de quadrilha.
A barra pesa quando se contam 17 acusações de peculato e oito processos por lavagem de dinheiro. São quatro os casos de corrupção ativa ou passiva.
Se o Supremo acelerasse metade desses julgamentos, todo mundo ganharia. A corte ficaria livre de uma bancada excêntrica, os inocentes ficariam em paz e os culpados pagariam pelo que fizeram.
Do jeito que está, só lucram aqueles que sabem o tamanho de suas malfeitorias e acabam beneficiados pela confusão.
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