A carga dos alimentos
CELSO MING
O Estado de S. Paulo - 05/05/2011
A aposta do ministro da Fazenda, Guido Mantega, e do presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, é a de que a inflação deve recuar no final do segundo semestre, em consequência da queda dos preços das commodities agrícolas.
Essa previsão se baseia no diagnóstico de que a causa principal da escalada internacional das commodities (veja gráfico) é a especulação financeira. Ou seja, os grandes bancos centrais estão despejando dinheiro nas suas economias (o que aumenta a liquidez internacional) e boa parte desses recursos é canalizada para a especulação nos mercados futuros.
Segue-se que, quando os grandes bancos centrais começarem a enxugar essa abundância de dinheiro, a especulação será rapidamente revertida.
Ontem, a divulgação do Índice de Preços ao Produtor (IPP), do IBGE, parece ter reforçado esse entendimento na medida em que mostrou certo esvaziamento dos preços dos alimentos no mercado atacadista.
No entanto, há pelo menos duas fortes razões para acreditar que, a médio e a longo prazos, não haverá reversão significativa nos preços das commodities agrícolas.
A primeira dessas razões está no crescimento acentuado das classes médias asiáticas. Pelo menos 30 milhões de asiáticos (principalmente chineses) estão emergindo a cada ano das faixas de pobreza. Essa nova condição implica aumento do consumo alimentar, especialmente de proteína animal, que, por sua vez, exige maior produção de proteína vegetal (milho e soja), usados como ração. A propósito, somente a China consome hoje 25% de toda soja produzida no planeta, informou ontem o Los Angeles Times.
A segunda mais forte razão contrária à imediata reversão dos preços dos alimentos é o maior consumo de biocombustíveis no mundo, especialmente de etanol nos Estados Unidos e de biodiesel na Europa, que demandam maior quantidade de grãos.
Nada menos que 40% da produção de milho dos Estados Unidos, que deverá ser de 316,2 milhões de toneladas neste ano, será canalizada para a produção de 51,7 bilhões de litros de etanol para mistura à gasolina. Como ontem observou o professor Wallace Tyner, da Purdue University, (no site Project Syndicate), esse pedaço da demanda não se altera com o nível de preços. É o que os economistas chamam de demanda inelástica, porque é determinada por lei. O etanol será produzido nos Estados Unidos independentemente de quanto custe o milho.
Esse fator, por si só, torna o mercado de commodities alimentares mais sensível a variações climáticas ou a variações de PIB na Ásia. É por isso que pequenas mudanças na política de juros na China mexem instantaneamente nas cotações desses produtos.
Essas razões não são meras conjecturas teóricas; elas têm consequência. Se os fundamentos econômicos apontam para uma forte demanda de alimentos (e outras commodities) em escala global, não se pode contar com fortes tombos nos seus preços. E isso sugere que não dá para contar com o esvaziamento "espontâneo" da inflação nos próximos meses, como insistentemente vêm sugerindo tanto Mantega como Tombini.
CONFIRA
Redução da indexação
O secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Márcio Holland, confirmou ontem que o governo está estudando a redução da indexação (correção monetária). Mas, se for pelo caminho que ele está indicando, vai ser difícil mudar.
Troca burra
Ele disse que, para correção dos aluguéis residenciais, está sendo estudada a troca do IGP-M, o indexador mais usado, pelo IPCA, o índice do custo de vida aferido, mês a mês, pelo IBGE.
Correção negativa
Se for realizada quando o IPCA está apontando para a altura dos 7% e o IGP-M tende a esvaziar-se, essa poderá vir a ser uma troca burra. Em 2009, o IGP-M ficou negativo: -1,7%.
O problema real
A longo prazo e, na média, todos os índices de preços tendem a convergir para o mesmo ponto. Isso significa que a troca de um índice pelo outro não faz sentido. O problema não é a indexação; é a inflação.
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