sábado, abril 09, 2011

FERNANDA TORRES - Baco


Baco
FERNANDA TORRES
Revista Veja - RJ

Em março deste ano, antes de subir para a sacrossanta paz da Serra da Mantiqueira, passei na Lapa para conferir o Carnaval. A noite começou em frente ao Rival, com Leandra Leal comandando um bloco de rua estacionário nas portas do tradicional teatro, patrimônio de sua família. Em meio às centenas de foliões, um rapaz com barba rente e barriga protuberante se destacava entre os piratas e as colombinas. Com cachos de uvas pendurados nas orelhas e toga curta de um ombro só, o jovem Baco pairava entre os presentes tal qual a própria deidade. Vindo do Oriente e adotado pela Grécia como o lado B de Apolo, Dionísio, ou Baco, teria sido um dos primeiros deuses a encarnar em um mortal. Em meio à bacanal, alguém teria gritado: “Eu sou Dionísio!” — e acelerado o efeito catártico da celebração 

a gozos nunca antes experimentados. E não é que o carioca barrigudo de barba rala repetiu o ancestral gesto grego na sexta-feira profana da boemia da Lapa? Não teve para ninguém. Por mim, o Baco do Rival leva o caneco do ano em alegoria.
Saí da Rua Álvaro Alvim e fui consultar o oráculo da Orquestra Imperial, no Circo Voador. Atravessei o formigueiro humano do milagre da ressurreição do entorno dos Arcos a passos largos. Regina Casé diz que tem noção de que o tempo passa cada vez que olha as gigantescas palmeiras em frente ao Circo e lembra que foram plantadas por ela e pelos integrantes do Asdrúbal Trouxe o Trombone assim que Perfeito Fortuna transferiu sua lona do Arpoador para o Centro. A fúria orgiástica da plateia insistia em ignorar o fim do rito enquanto os exauridos músicos da Orquestra, em noite especialmente inspirada, pediam gentilmente para sair. Tomada, entoei aos berros: “Ó Terezinha! Ó Terezinha! É um barato a buzina do Chacrinha!” — e me virei para admirar o povo.
Foi quando tive a visão.
Um homem de seus 40 e tantos anos, todo em Lycra, ornado de cabo a rabo com collant azul-turquesa e shortinho vermelho, vinha escoltado por quatro garotas igualmente vestidas. O gorro e a barba, embora brancos, lembravam o Saci Pererê. Demorei um tempo para entender que era... o “Papai Smurf”! Gênio. Aplaudi a coragem do farrista e abandonei o recinto. Fui para casa quase ao amanhecer, feliz com a noitada e com a volta da doideira santa do Carnaval de rua carioca.
Mas por que esse assunto agora, mais de mês depois da orgia? Talvez porque o gaymado do Posto 9, do qual ouvi falar pela primeira vez nesta semana, tenha me feito lembrar da baderna carnavalesca e dos instintos incontroláveis abençoados por Dionísio. Nunca presenciei uma partida, mas uma amiga que mora em Ipanema diz que entre o Posto 8 e o 9 rola semanalmente um animado jogo de queimado entre machos-fêmeas que atendem por codinomes do tipo Elba, Chica da Silva e Daniela Mercury. A competição é acirrada, e, conforme as peruas, ou perus, se queimam, passam para a linha de trás ao som de: “Poderosa! Perigosa! Necessária!”. No fim, uma e apenas uma gloriosa colega vence a contenda sob protestos e aplausos. E por que lembro dessas fogosas criaturas após mencionar os desvarios de março? Talvez porque o deputado Jair Bolsonaro tenha me impressionado recentemente com sua sinceridade explícita e sua crença de que umas boas bordoadas endireitam o que nunca pediu para ser endireitado.
Torço para que o gaymado do Rio se transforme na próxima modalidade olímpica e para que Jair Bolsonaro se vista de Baco no próximo Carnaval.
Vai ver que quem endireita é ele.

2 comentários:

Carlos Alencar disse...

Há uma contradição muito grande entre a alegria de viver do carioca e as tragédias que se abatem sobre suas vidas. Volta e meia voltam com um tema surrado igual a este do Bolsonaro e o carioca de uma forma que é só dele acaba fazendo virar piada. Digamos: uma Baconaro.

Bacco disse...

Precisando estamos aí.. Carnavalizando sempre...