Europa redividida?
GEORGE SOROS
FOLHA DE SÃO PAULO - 25/03/11
A CHAMADA crise do euro em geral vem sendo vista exclusivamente como cambial, mas constitui também uma crise de dívida soberana -e acima de tudo uma crise bancária.
A Europa enfrenta não só uma crise econômica e financeira como também uma crise política. Os países-membros da zona do euro adotaram políticas econômicas divergentes, que refletem posições individuais, e não os verdadeiros interesses nacionais -um choque de percepções que traz em si a semente de um sério conflito político.
A solução que a Europa está a ponto de adotar será ditada pela Alemanha, cujo crédito soberano é necessário para qualquer solução. Mas isso desconsidera a forte responsabilidade alemã pela crise cambial e bancária em curso, se não pela crise de dívida soberana.
A Alemanha atribui a responsabilidade pela crise a países que perderam competitividade e acumularam dívidas excessivas. Consequentemente, a Alemanha quer que todo o peso dos ajustes recaia sobre os países devedores. Mas isso desconsidera sua parcela de culpa.
Quando o euro foi introduzido, a expectativa era que produzisse convergência entre as moedas da zona do euro. Mas na verdade a moeda unificada criou divergência.
O Banco Central Europeu (BCE) tratava os títulos de dívida de todos os países-membros como desprovidos de riscos. Isso induziu os bancos que têm obrigação de manter ativos de risco zero como parte de suas reservas de capital a faturar algumas frações de ponto percentual a mais ao adquirir proporção exagerada de títulos de dívida soberana de países mais fracos.
Isso reduziu as taxas de juros dos países do chamado grupo Piigs (Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha) e ajudou a inflar bolhas em seus setores habitacionais, em um momento em que os custos da reunificação estavam levando a Alemanha a apertar o cinto.
Isso causou tanto a divergência na competitividade como a crise bancária na Europa, na qual os bancos alemães foram mais prejudicados que os de outros países.
Na verdade, a Alemanha vem resgatando os países pesadamente endividados como forma de proteger seu sistema bancário.
Existe algo de incoerente em resgatar o sistema bancário agora e mais tarde forçar os detentores de títulos de dívida soberana a assumir parte dos riscos, pela introdução de cláusulas de ação coletiva.
Além disso, os requisitos de competitividade exigidos pela Alemanha serão impostos em situação de desequilíbrio, o que colocará os países deficitários em posição insustentável, que pode até derrubar a Espanha, país que começou a crise do euro com dívidas inferiores às da Alemanha, em proporção ao PIB.
Como resultado, a União Europeia sofrerá algo pior que uma década perdida; passará por uma divergência crônica na qual os países superavitários dispararão e os deficitários ficarão para trás devido ao peso das dívidas acumuladas.
A Alemanha está impondo esses arranjos sob severa pressão interna, mas o público alemão não sabe a verdade e, portanto, está confuso.
Duas modificações fundamentais são necessárias. Primeiro, o Sistema Europeu de Estabilização Financeira deve servir também para resgates a bancos, e não só aos países. Isso permitiria que as dívidas soberanas fossem reestruturadas sem precipitar uma crise bancária.
Segundo, para reequilibrar o jogo, o ágio por risco que os países devedores e respeitadores das regras teriam de pagar em sua captação precisa ser removido.
Os países teriam de emitir papéis nacionais com cláusulas de ação coletiva, e pagariam o ágio por risco apenas sobre as somas superiores ao limite para a dívida pública (60% do PIB) estabelecido no Tratado de Maastricht.
A perspectiva de uma Europa de dupla velocidade vai solapar a coesão -e, com ela, a capacidade para agir em uníssono, quando necessário. É por isso que a necessidade do próximo passo na integração europeia precisa ser reconhecida claramente no momento da implementação do mecanismo de solução de crises da União Europeia.
De outra forma, os países deficitários não terão esperança de escapar de suas atuais dificuldades, por mais que trabalhem.
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