Mínimo e pobreza
Miriam Leitão
A presidente Dilma está diante de um dilema na briga pelo salário mínimo. E não é pelo fato de um partido dos trabalhadores estar contra sindicatos. Elevar o mínimo não é erradicar a extrema pobreza e pode até ser contraditório em tempos de corte de gastos. Desde 1995, o aumento real acumulado do mínimo foi de 121%, enquanto a renda média dos mais pobres caiu quando comparada ao salário mínimo.
O dilema não é simples, e essa discussão, como tem sido travada nos últimos dias, tem ficado presa no imediato, sem uma visão do passado, futuro e até do presente. Para ficar na parte mais simples: a regra negociada para o reajuste é o crescimento do PIB de dois anos antes mais a inflação. Ou seja, hoje se paga o preço da recessão de 2009. Mas, se em 2011 o aumento é pequeno, no ano que vem será, pelas regras, de cerca de 13,5%, em termos nominais.
O aumento do ano que vem invalida os argumentos dos dois lados da discussão: nem os sindicatos têm razão de reclamar das regras; nem Dilma pode dizer que nega o reajuste maior agora para conter os gastos. Já se sabe que no ano que vem o aumento real será forte, pelo efeito somado do PIB de 7,5% de 2010 mais a inflação que chegou a 6%.
O real dilema é que a presidente Dilma disse que seu principal objetivo é erradicar a pobreza extrema. Faz o mais completo sentido que essa seja uma meta nacional, não apenas dela. Mas os extremamente pobres ganham menos do que o salário mínimo, estão fora do mercado de trabalho formal, não são representados pelos sindicatos e ficaram fora da festa da recuperação forte do salário mínimo desde a estabilização. Neste aspecto, o Bolsa Família fez mais pela redução da pobreza extrema do que o aumento do salário mínimo, porque é uma política que tem foco nos mais pobres.
O gráfico abaixo mostra o aumento real do salário mínimo desde dezembro de 1994. Se a conta for feita com o INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor), o aumento acima da inflação foi de 44% no governo Fernando Henrique e de 54% no governo Lula. Ao todo, como é um aumento composto, dá 121,78%. É melhor fazer a conta pelo INPC porque esse índice mede a renda de pessoas até seis salários mínimos. O IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) vai até 40 salários mínimos.
— De certa forma, a política do salário mínimo é vítima do seu próprio sucesso. Ele recuperou poder de compra, mas os extremamente pobres ficaram para trás. Vários dados mostram isso. Se compararmos a Pnad de 1995 com a de 2009, o salário mínimo era 23% da renda média do país e agora é 43%. Em 1995, o salário mínimo era 37% acima da renda média dos 20% mais pobres e, em 2009, passou a ser 124% — diz o economista Fábio Giambiagi.
Os dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) mostram também que se formos separar a renda do Nordeste por décimos de renda, dos 10% mais pobres até os 10% mais ricos, 40% dos nordestinos ganham abaixo do salário mínimo, 20% em torno do salário mínimo, e só no sexto décimo de renda é que estão os que ganham acima desse patamar.
Esse é o dilema. Aumentar o salário mínimo já teve impacto na redução da pobreza. O maior aumento desde o Real foi o de 1995, de 22%; o segundo maior, o de 13%, de 2006. Em dois anos, houve perda real, mas o acumulado não deixa dúvidas da recuperação do poder de compra. Isso melhorou a vida dos pobres, mas os que estão abaixo da linha da miséria — faixa que está hoje em R$ 120 per capita — não tiveram melhora substantiva com essa política. Portanto, tudo isso tem que estar nas considerações da presidente não apenas este ano, mas daqui para a frente, se a meta maior for erradicar a extrema pobreza.
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