De quem é a culpa? Quem pagará?
WALTER CENEVIVA
FOLHA DE SÃO PAULO - 15/01/11
Há meios processuais para a população se defender em casos como a tragédia no Rio. O problema é o tempo
NO REFERENTE às consequências da tragédia no Estado do Rio, a segunda em curto tempo, a lei brasileira é muito clara. Está no art. 186 do Código Civil: "Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito". Ou seja: a ilegalidade por ação ou omissão é punível.
Predominam duas disposições sobre o assunto. A primeira é lida no art. 389 do Código Civil: "Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado", além do dano moral.
Lê-se a segunda no art. 393: "O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado".
Caso fortuito ou de força estão no parágrafo único do artigo: verifica-se quando existe "fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir". Assim, a lei dá com uma das mãos o que em parte tira com a outra, quando não caiba a indenização da vítima.
Lembro as declarações do governador do Estado e do prefeito de SP sobre as enchentes que aqui vêm ocorrendo. Possivelmente aconselhados por seus assessores, responderam aos jornalistas: o culpado pelos danos foi são Pedro. Ou seja, para eles a culpa não é do poder público, mas do excesso de chuvas.
Infelizmente a memória não me ajuda quanto aos pormenores, mas dá para lembrar que, há muitos anos, o hoje presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Cezar Peluso, ganhou (em primeiro grau, pelo menos) uma ação contra a prefeitura porque seu automóvel foi atingido pela enchente, depois de forte chuva nesta capital.
O município veio com a defesa de sempre: a chuva é um fenômeno da natureza e, assim, de força maior. Não pegou, porque ficou claro que a autoridade pública não havia cuidado do escoamento pelos meios cabíveis e assim contribuíra para o dano.
Não sei do resultado final desse processo, mas tem importância porque quem alegar força maior ou caso fortuito deve comprová-lo.
Na enchente de Franco da Rocha, por exemplo, a abertura de comportas causou, ou pelo menos agravou, as condições danosas. Nos carros perdidos na marginal do rio Tietê, parece possível o erro de cálculo do escoamento, agravado pelo alargamento da pista. A discussão técnica a respeito definirá se houve força maior ou não.
Nos desastres do Estado do Rio, se discutirá se a permissão de construções em encostas deveria ter sido negada pelas autoridades competentes ou punida no caso de clandestinidade. A previsão de deslizamentos (foi recente o caso gravíssimo de Angra dos Reis) deveria levar a administração fluminense a ter maior cuidado ao exigir obras de contenção ou outras, além de verificar se as construções foram licenciadas nos termos da lei.
Enfim: temos a lei. Há meios processuais para a cidadania se defender. No Judiciário é raro, porém, que ações contra o poder público durem pouco ou custem pouco. O problema maior é o tempo. Permite até parafrasear um ditado célebre de Pascal: a luta judicial contra o poder público tem razões que a própria razão desconhece
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