As promessas e a dura realidade
Jorge J.Okubaro
O Estado de S.Paulo - 10/01/11
Ao animador conjunto de compromissos que a presidente Dilma Rousseff assumiu no discurso de posse, a realidade - política, financeira, social e administrativa - imediatamente contrapôs obstáculos cuja superação requererá do novo governo competência, sabedoria, persistência. Muitos dos quadros que o compõem pertenceram ao governo anterior, dado que pode ser positivo em alguns casos; em outros, porém, para cumprir os compromissos da presidente, os remanescentes da antiga gestão precisarão apresentar um desempenho com qualidade e eficiência de que ainda não demonstraram dispor.
No plano econômico, merece repetição a declaração da presidente sobre a importância da estabilidade. "Já faz parte de nossa cultura recente a convicção de que a inflação desorganiza a economia e degrada a renda do trabalhador", disse Dilma, para garantir que "não permitiremos, sob nenhuma hipótese, que esta praga volte a corroer nosso tecido econômico e a castigar as famílias mais pobres". Antes, ela falara da importância da estabilidade de preços para o crescimento da economia brasileira.
Dilma recolocou em discussão a reforma tributária, que seu antecessor transformara, logo nos primeiros dias de mandato, numa bandeira com a qual liderou a marcha de praticamente todos os governadores, do Palácio do Planalto ao Congresso, para mostrar que a proposta tinha amplo apoio político. É inadiável, disse a presidente, "a implementação de um conjunto de medidas que modernize o sistema tributário, orientado pelo princípio da simplificação e da racionalidade".
No plano político, deve ser destacado seu compromisso com a mudança "para fazer avançar nossa jovem democracia, fortalecer o sentido programático dos partidos e aperfeiçoar as instituições, restaurando valores e dando mais transparência ao conjunto da atividade pública". Quem conhece a história e o desempenho da maioria dos atuais partidos e dos atuais políticos sabe da importância de uma reforma nessa linha.
Entre outros compromissos, Dilma assumiu os de valorizar o parque industrial, dar atenção à elevação da competitividade da agricultura e da pecuária, estimular o desenvolvimento regional, preservar a biodiversidade da Amazônia, fazer os investimentos previstos para a realização da Copa do Mundo e da Olimpíada, o que inclui a ampliação e melhora do sistema aeroportuário.
Se boa parte disso for cumprida, certamente o Brasil estará melhor daqui a quatro anos.
Quanto à estabilidade da moeda, além da reiteração do compromisso da presidente Dilma Rousseff por sua manutenção, é estimulante a declaração do novo presidente do Banco Central (BC), Alexandre Tombini - que pertenceu à diretoria anterior e foi um dos formuladores da política de metas inflacionárias -, de que a atual política monetária é a mais adequada para o BC cumprir seu papel de guardião da moeda e de que o crescimento econômico sustentado exige inflação mais baixa do que a atual.
Da parte do Executivo, há firmes manifestações de preservação do rigor da política anti-inflacionária. No entanto, na esfera política, da qual o governo depende para fazer avançar seus projetos, é igualmente clara a disposição dos aliados de defender seus interesses partidários ou pessoais empregando todos os meios de que podem lançar mão, mesmo à custa da estabilidade. As ameaças - veladas ou explícitas, algumas beirando a chantagem - de dirigentes do PMDB para forçar a presidente a lhes entregar mais cargos do segundo escalão do que aqueles que lhes foram inicialmente reservados não deixam dúvidas sobre como a base de apoio do governo pode agir, caso tenha seus interesses contrariados ou não inteiramente atendidos.
É com essa base, além da oposição, que o governo terá de discutir e negociar, se estiver mesmo disposto a fazer avançar a reforma política. A reforma de que o País precisa não pode prescindir das mudanças que levem ao fim do caciquismo, ao fortalecimento de princípios programáticos, à imposição de padrões éticos para a atividade político-partidária, entre outras. Tudo isso contraria frontalmente os interesses e a prática de boa parte das lideranças da base governista.
Dela depende também a reforma tributária. Por causa dos tremendos conflitos de interesses entre União, Estados e municípios; entre Estados produtores e Estados consumidores; entre Estado e sociedade, para citar só alguns bem conhecidos, a reforma tributária já teria poucas chances de ser aprovada num prazo relativamente curto. Recorde-se de que, pouco depois da marcha liderada por Lula no início de seu primeiro mandato, a bandeira da reforma tributária foi abandonada e o projeto, inteiramente esquecido. Por causa da fluidez da base governista e da predominância das preocupações fisiológicas em boa parte de suas lideranças, é muito duvidoso que prospere na atual legislatura um projeto de reforma tributária ampla e modernizadora, como a de que o País necessita.
No que depende apenas do Executivo, como a luta pela qualidade da educação - "é preciso melhorar sua qualidade e aumentar as vagas no ensino fundamental e no ensino médio", disse a presidente -, o novo governo é uma repetição do anterior. Se muito ainda precisa ser feito, muito já poderia ter sido feito pelo ministro Fernando Haddad, que está no posto desde julho de 2005, mas não fez.
Quanto a outro compromisso - "faremos um trabalho permanente e continuado para melhorar a qualidade do gasto público" -, Dilma Rousseff terá muito trabalho para cumprir, pois a política fiscal se deteriorou nos últimos anos do governo Lula.
"Em um país com a complexidade do nosso, é preciso sempre querer mais, descobrir mais, inovar nos caminhos e buscar novas soluções", disse a presidente. Os brasileiros, de fato, querem mais, e depressa. Serão atendidos?
JORNALISTA, É AUTOR DO LIVRO "O SÚDITO - BANZAI MASSATERU!" (EDITORA TERCEIRO NOME)
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