Disputa de geração
Merval Pereira
O Globo - 14/12/2010
O PT é o primeiro partido que tem condições de realizar o sonho de consumo de todos os partidos brasileiros: ficar no poder por no mínimo 20 anos. O grupo do presidente cassado Fernando Collor tinha essa pretensão, vocalizada pelo seu braço-direito PC Farias. Também o PSDB planejava essa permanência estendida quando aprovou a reeleição presidencial, estratégia montada pelo “trator” tucano, o falecido Sérgio Motta.
Depois de 8 anos de governo Lula, e tendo conseguido eleger Dilma Rousseff para pelo menos mais 4 anos, o PT pode alcançar essa meta se a hipótese de Lula se candidatar em 2014 se confirmar.
E essa permanência pode ser ainda maior se a presidente Dilma se reeleger em 2014 e Lula voltar à presidência em 2018. Nesse caso poderão ser nada menos que 26 anos de poder petista seguidos.
Lula terá dentro de quatro anos os mesmos 69 anos com que Serra disputou pela segunda vez a Presidência da República este ano. E estará com 73 anos se se candidatar em 2018, a mesma idade que Serra terá em 2014, quando pretende se candidatar pela terceira vez, a valer a disposição atual. Quase a mesma idade com que Tancredo Neves foi eleito em 1985.
Tudo isso somado, fica demonstrado que não será nada fácil ao PT realizar seu sonho de consumo, pois ele implicaria relegar a um segundo plano políticos de diversas tendências que, tendo uma perspectiva nacional, seriam condenados a viver à sombra do PT toda a sua carreira. Todos eles têm hoje entre 45 e 50 anos, e compreensivelmente não gostam muito da ideia de o PT ficar no poder mais 12, 16 anos.
Ao fim da saga petista, estarão perto dos 60 anos e terão passado a vida inteira como coadjuvantes do PT, quando não na oposição. Congelados politicamente. No PSB, o próprio governador Eduardo Campos (45), Ciro Gomes (53), o governador do Ceará, Cid Gomes (47), o governador do Espírito Santo, Renato Casagrande (50); no PMDB, o governador do Rio, Sérgio Cabral (47), e o prefeito do Rio, Eduardo Paes (41); no PSDB o senador eleito Aécio Neves (50), o governador do Paraná, Beto Richa (45); no DEM, o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (50).
O convite feito pela presidente eleita, Dilma Rousseff, para que Ciro Gomes retorne ao Ministério na mesma posição anterior, no comando da pasta da Integração Nacional, está neste contexto. Ciro tende a não aceitar, seria mais do mesmo, depois de ter sido impedido de concorrer à Presidência da República por uma decisão autocrática do presidente Lula.
Mas interessa também a Ciro Gomes manter-se em evidência para futuros movimentos políticos. A Secretaria de Portos, com status de ministério, se for agregada a ela a tarefa de cuidar dos aeroportos, poderia ser um bom desafio.
Resolver o apagão aéreo, viabilizar a Copa do Mundo de futebol e as Olimpíadas, colocaria Ciro em posição destacada especialmente junto à classe média, que é quem mais está usando aviões hoje.
O interessante disso tudo é que o PSB, embora tenha crescido na eleição, seja um partido que tem maior perspectiva de poder, tendo Eduardo Campos reeleito governador em Pernambuco como exemplo de liderança ascendente, não foi beneficiado nessa divisão de forças no Ministério.
O partido cresceu na sua representação legislativa tanto na Câmara, onde passou de 27 deputados federais para 34, quanto no Senado, onde elegeu três novos senadores.
Mas foi nos governos estaduais que o PSB aumentou mais seu cacife. Depois do PSDB, foi o partido que mais elegeu governadores, seis ao todo, sendo quatro deles no Nordeste: Ceará, Pernambuco (reeleitos), Paraíba e Piauí, além de Amapá e Espírito Santo, representando quase 15% do eleitorado.
A posição do PSB no momento é a seguinte: compreende as dificuldades da presidente Dilma para contentar seus aliados, entende que o PT é um partido muito difícil, dividido em facções que precisam ser agradadas, mas não está muito satisfeito.
Esse estado de espírito pode gerar negociações paralelas mais adiante no PSB, que tem uma ligação estreita com o ex-governador de Minas Aécio Neves, eleito agora senador. Tanto que o governador do Ceará, Cid Gomes, já havia lançado o nome dele como um candidato de consenso à presidência do Senado.
Ciro Gomes já havia dito, durante a campanha, que, se Aécio fosse o candidato do PSDB à Presidência, o PSB poderia apoiá-lo. E o governador Eduardo Campos avisara o governo de que, se essa hipótese se confirmasse, dificilmente as bases partidárias ficariam ao lado de Dilma. Uma aliança entre o PSB e o PSDB, superados os obstáculos paulistas, não seria uma ação trivial.
O PSDB, com a força eleitoral que tem no Sudeste e no Sul, e o PSB, no Nordeste, fariam uma dobradinha importante para a próxima eleição de 2014. Ciro Gomes deve estar avaliando as vantagens de vir a ser ministro novamente, o que o colocaria em posição política melhor do que se não estiver em cargo algum.
O PSB, que foi o partido da base que mais cresceu proporcionalmente nas últimas eleições, não se conforma mais em ser apenas um apêndice do PT. O que dificulta os entendimentos é a língua ferina de Ciro Gomes, que, magoado com as manobras que inviabilizaram sua candidatura à Presidência da Repúb l i c a , s a i u a t i r a n d o n a a l i a n ç a p o l í t i c a c o m o PMDB, que classificou certa ocasião de “um ajuntamento de assaltantes”.
E disse que o vice-presidente eleito, Michel Temer, era “o chefe dessa turma de pouco escrúpulo”. Temer, pragmático, não está satisfeito com o convite, mas está tranquilo. Afinal, foi eleito, e Ciro deverá obediência a ele.
Os líderes do PMDB é que não estão nada satisfeitos. Se o ministro Ciro Gomes precisar de apoio no Congresso, não vai contar com o maior partido.
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