O risco da mão pesada
BENJAMIN STEINBRUCH
FOLHA DE SÃO PAULO - 07/12/10
Corte de gasto do governo, alta de juros... segurar a economia é fácil, difícil será reanimá-la depois
O CORO das vozes da ortodoxia canta alto nestes dias entre a eleição e a posse do novo governo. Vibra com os anúncios de que vem aí um forte ajuste fiscal, com cortes profundos nos gastos públicos. Vibra também com a proximidade de uma nova rodada de aumentos dos juros internos, uns prevendo a primeira etapa dessa elevação já na reunião de amanhã do Copom e outros esperando isso para janeiro. E ainda aplaude o aperto no crédito anunciado pelo Banco Central.
Ninguém pode, em sã consciência, ser contra austeridade fiscal ou combate à inflação, recomendáveis em qualquer situação e em qualquer país. São corretos, portanto, os alertas sobre o aumento dos gastos públicos correntes no ano eleitoral. Dados do Banco Central comprovam a deterioração das contas públicas.
Mesmo com manobras contábeis que somaram R$ 35 bilhões -entre essas, principalmente, o reforço de R$ 32 bilhões decorrente da capitalização da Petrobras-, o superavit primário ficou abaixo da meta no período de janeiro a outubro.
Apesar da importância do esforço para buscar o equilíbrio das contas públicas, o tom alarmista na abordagem desse tema é inadequado e exagerado. O país precisa de mais austeridade e de firmeza no combate à inflação, mas não está à beira do abismo nessa matéria.
O Brasil está saindo de um período em que foi preciso elevar o gasto público para injetar adrenalina numa economia deprimida por fatores externos. Como a crise atingiu a todos, é relevante comparar nossa situação com a de outros países.
O deficit público nominal, aquele que inclui também os gastos com juros da dívida pública, está em torno de 2,5% do PIB nos 12 meses findos em outubro, ou R$ 87,8 bilhões.
Expurgando-se todas as maracutaias contábeis, esse deficit ficaria ainda em torno de 3,5% do PIB, um pouco abaixo do nível da saudável Alemanha e muito aquém do observado em outras poderosas nações desenvolvidas (10,1% no Reino Unido, 9,0% nos Estados Unidos, 7,5% no Japão, 7,8% na França, 9,7% na Espanha e 37% na Irlanda). Em toda a zona do euro, o deficit nominal médio alcança 6,5% do PIB.
Não é correto, portanto, examinar a situação difícil das contas públicas sem colocá-la no contexto da conjuntura mundial, que mostra esses deficit espetaculares nas grandes nações industrializadas.
Além disso, é necessário considerar um segundo aspecto: o deficit nominal brasileiro decorre em grande parte de uma equivocada política de juros internos. Só três países -Venezuela, Argentina e Paquistão- praticam hoje taxa de juros mais alta que a brasileira. Nossa Selic de 10,75% tem um enorme impacto nas contas públicas. Nos últimos 12 meses, os juros nominais pagos para o carregamento da dívida pública de R$ 1,5 trilhão alcançaram R$ 187 bilhões, ou 5,37% do PIB.
Uma redução de dois pontos percentuais na taxa básica de juros poderia representar economia de uns R$ 30 bilhões -quase 1% do PIB- para os cofres públicos.
Preocupa o dominante olhar conservador lançado sobre essas questões. Nenhum destaque e nenhuma ênfase têm sido dados ao volume astronômico de gasto público decorrente da taxa de juros desajustada, que se pretende elevar ainda mais. Se a dívida exibe uma fatura de juros de R$ 187 bilhões em 12 meses, haja esforço fiscal para pagá-la.
Para resumir, diria que a situação difícil das contas públicas exige austeridade e a inflação precisa de cuidado, mas esses problemas não são dramáticos. Além disso, no médio prazo, a redução da taxa de juros básica para níveis civilizados é necessária e possível. Se essas ressalvas não forem levadas em conta, há o risco de que, ao usar uma mão pesada demais, o novo governo acabe por abortar o crescimento que, pela primeira vez em décadas, parece ter tomado um ritmo sustentado, a despeito da crise internacional.
Vários sinais indicam que estão em curso medidas para puxar a economia para baixo: corte de gastos do governo, inclusive de investimentos, aumento de juros, aumento de impostos e restrições ao crédito. Segurar a economia é fácil. Difícil será reanimá-la depois.
BENJAMIN STEINBRUCH, 57, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp
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