Se não são os gays, é a classe média
BARBARA GANCIA
FOLHA DE SÃO PAULO - 10/12/10
Virou moda dizer que a culpa pelo drama da violência no Rio é da classe média alta e dos artistas
NÃO GOSTO MAIS de drogas, não as quero por perto e acho um pecado vê-las consumidas por quem está em fase de crescimento.
Já fui adepta do haxixe, uma droga que por aqui quase não há. Comecei a fumar para ir à aula e achei graça quando o professor escreveu no meu boletim: "Barbara amadureceu muito neste semestre".
Mas isso foi no século passado. Hoje, questão de sobrevivência, radicalizei. Passei a considerar até fumante de cigarro burraldo e a torcer para nunca mais entrar em elevador com quem fuma. De cocaína, então, sempre tive asco. O "demônio ralado" nunca fez meu gênero.
Mesmo levando em conta meu status em relação aos tóxicos, não há como aceitar certas ilações que nos são empurradas. Como dizer que a maconha é a porta de entrada das drogas. Isso só pode ser conversa para vaca louca dormir, né não?
Como assim? E antes da maconha? Guri não mandava uma cervejinha? Se formos levar esse tipo de consideração a sério, não chegaremos à conclusão de que a mamadeira terá sido a porta de entrada de todos os males do mundo? E a comprovação científica, cadê?
Em todas as sociedades, cerca de 10% irão se tornar dependentes de álcool e/ou drogas, seja na ilha de Tonga ou no deserto de Antofagasta. E, nem por isso, vemos bala perdida em Londres e Nova York.
Virou moda dizer que a culpa pelo drama da violência no Rio é da classe média alta, dos artistas e dos intelectuais, já que é do dinheiro da cocaína que eles consomem que o tráfico se alimenta.
Sei. Quer dizer que se os bacanas não cheirassem cocaína, o Rio estaria livre do descaso e da desigualdade. Em seu lugar, se instalaria na baía da Guanabara uma Suécia em que todos os habitantes seriam assistidos pelo Estado e desfrutariam de plena cidadania. Lindo!
Bem, as classes abastadas de Oslo e Osaka consomem tanta ou mais droga do que aqui e nem por isso a gente ouve falar em um Pezão norueguês ou um Marcelinho Niterói japonês trocando tiros com a polícia a luz do dia.
Mas bastou identificar um culpado tapuia para certo tipo de moralista repousar seu cérebro de ervilha no travesseiro e dormir tranquilo. Questionar leis capengas e ultrapassadas, nem pensar.
Tampouco lembrar de que a guerra que os EUA empreendem contra as drogas se transformou em um Vietnã. E nós, a Colômbia e o México, em um novo Camboja.
Em vez de tratar de cuidar das nossas fronteiras (como assim não vamos mais comprar os Rafale da França?) e de assumir uma posição de liderança de fato na região, ficamos tergiversando.
Pois eu digo: chega com essas capas de revista que encurralam a classe média culpada por agir na ilegalidade! Importa agora é adotar uma política para rever o modelo falido de combate às drogas imposto pelos EUA, com sua legislação que ameaça colocar a juventude sem privilégios de países inteiros atrás das grades.
Poderíamos começar prestando mais atenção no que disseram Milton Friedman e FHC sobre o assunto. Caso contrário, corremos o risco de ficar patinando para sempre no limbo da era J. Edgar Hoover.
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