É a expectativa!
Antonio Delfim Netto
FOLHA DE SÃO PAULO - 22/12/10
É evidente que estamos diante de uma deterioração das "expectativas inflacionárias", mesmo quando existem dúvidas sobre as "causas" das recentes elevações de preço:1º) o nível de atividade está se acomodando. Se no último trimestre de 2010 e nos quatro trimestres de 2011 o PIB crescer à taxa média de 1% por trimestre, o PIB de 2011 crescerá qualquer coisa como 4%, o que, seguramente, não configura um perigoso excesso de demanda;
2º) o deficit em conta corrente não é um indicador adequado do excesso de demanda diante da clara supervalorização do real, basicamente produzida pelo diferencial da taxa de juros interna e externa;
3º) há uma tendência ao aumento da inflação em vários países emergentes, o que levanta a hipótese de que há alguma coisa externa que ainda não entendemos muito bem; e
4º) até agora não há sinais de que o aumento dos salários reais esteja acima do aumento médio da produtividade da economia.
Havia algum excesso no financiamento do consumo (com garantias colaterais que se liquefazem, como é o caso dos bens duráveis ou de imóveis) que poderiam conduzir à formação de uma "bolha" perigosa. O Banco Central, corretamente, procurou mitigá-lo com suas últimas medidas.
Com este comportamento ele mostrou continuar preocupado com a boa execução de sua missão maior: manter a higidez e o bom funcionamento do sistema econômico.
Parece, portanto, difícil de aceitar a hipótese de que o Banco Central perdeu credibilidade (porque não obedeceu ao "mercado"!) ou tomou medidas obsoletas e heterodoxas que puseram sob suspeita a sua autonomia operacional.
O fato a registrar é que -não importa porque motivos- a "expectativa inflacionária" descolou-se da "meta".
Se há imensas dúvidas sobre a eficiência e a qualidade da política monetária, não há nenhuma dúvida sobre o fato que a "expectativa inflacionária" é, mesmo, um determinante fundamental da taxa de inflação realizada.
É a "reconstrução" dessa "expectativa" (para 4,5%) que deve ser objeto da ação firme e coordenada das políticas fiscal e monetária. Precisamos apresentar um programa fiscal transparente e crível que eliminará, num horizonte razoável, o deficit nominal (ampliando os investimentos públicos) e reduzirá a relação dívida/PIB.
Isso dará ao Banco Central, operacionalmente autônomo, as condições para fazer a expectativa de inflação convergir rapidamente para 4,5% sem comprometer o seu objetivo de reduzir a nossa taxa de juro real ao nível internacional.
*Antônio Delfim Netto é economista.
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