Mistérios da presidente
VINICIUS TORRES FREIRE
FOLHA DE SÃO PAULO - 21/11/10
Dilma ainda não deu pista sobre o que vai fazer da autonomia do BC nem sobre como vai baixar juros rápido
DILMA ROUSSEFF fez sua primeira nomeação de ministro, Guido Mantega para a Fazenda, a mais difícil de todas, talvez tão importante quanto a do presidente do Banco Central, que não é bem um ministro, embora Lula tenha elevado o posto a tal categoria. Revela muito sobre o Brasil que a nomeação do ministro da Fazenda nem de longe tenha sido um episódio crítico ou que causasse preocupação nervosa aos "agentes econômicos" ou aos cidadãos em geral. A nomeação, em si mesma, porém, revela muito pouco.
Decerto são bens conhecidas as ideias de Mantega; são conhecidas suas reações e escolhas de política em momentos de "guerra e paz", na calmaria ou na crise. Ainda mais relevante, são bem conhecidas as afinidades de pensamento entre Dilma e seu escolhido. Mas não é isso o que vem ao caso agora.
Desde maio, pelo menos, e ainda agora, os assessores de campanha de Dilma e integrantes de seu "gabinete de transição" repetem que os objetivos centrais da política macroeconômica do novo governo serão: 1) reduzir a dívida pública a algo em torno de 30% do PIB até 2014, final do mandato da presidente; 2) reduzir a taxa "básica" de juros real (descontada a inflação) a algo entre 2% e 3%; 3) Chegar ao equilíbrio entre receita e despesa também no final do mandato, incluindo a despesa com juros.
Quase ninguém discorda de tais objetivos. Aliás, quase todos os interessados em política econômica acreditam que essa é tanto uma prioridade como uma espécie de Cabo da Boa Esperança a ser cruzado pelo país. Mas, mais uma vez, não é isso que vem ao caso agora.
Chegar ao deficit nominal zero e reduzir a dívida a 30% em 2014 são metas que podem ser atingidas por uma política bem convencional -aliás, é um tanto difícil imaginar outro caminho. Cortam-se gastos e, não havendo outros problemas, caem as taxas de juros, o que reduz a despesa com juros e torna mais fácil o caminho de redução da dívida e, em decorrência, também das taxas de juros. É a história do "círculo virtuoso". Seria interessante ver como, se ou em que ritmo ocorreria tal sucessão de boas notícias no Brasil.
No entanto, não está nada claro que esse é o projeto de Dilma Rousseff. Há ruídos de que pode haver outras ideias sobre como fazer, enfim, o grande ajuste macroeconômico no Brasil.
Dilma enfatiza que quer coordenação política e de políticas entre Banco Central e Ministério da Fazenda. Ótimo. Porém, a julgar pela reação de Henrique Meirelles a tal sugestão, reação vazada aos jornais, pode bem ser que Dilma queira "coordenar à força" a atuação de BC e Fazenda. Isto é, dada uma melhoria fiscal, o BC seria obrigado pela presidente a baixar os juros, em vez de o fazer quando julgasse adequado, mantendo sua autonomia operacional.
Como bem dizia o adversário de Dilma na campanha presidencial, José Serra, a autonomia do Banco Central não é algo "sagrado". O BC pode fazer besteiras. Ser conservador demais. Porém, quando um BC é heterônomo (que não é autônomo), pode ser que o mercado, na prática, impeça uma queda de juros. Em suma, ainda não apareceu uma solução prática sobre como lidar com BCs excessivamente conservadores sem, no entanto, assustar os cavalos na rua, a praça do mercado.
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