O prazo do presidente
Sérgio Rabello Tamm Renault
O Estado de S.Paulo - 25/11/10
Logo que se inicia a Faculdade de Direito, chama a atenção dos estudantes a importância dos prazos estabelecidos nas leis para o reconhecimento judicial de direitos, o cumprimento de obrigações e o adimplemento de cláusulas contratuais. Na vida regulada pelo Direito, tudo gira em torno do tempo e sua medida é capaz de determinar o lado do justo. Na linguagem hermética dos juristas, é com o tempo que se medem prazos de prescrição, decadência, recursos, etc.
Com o passar dos anos compreendemos a importância do tempo e dos prazos para a segurança jurídica das relações sociais. Mesmo assim, acredito que todo advogado já se tenha perguntado por que a legislação processual não estabelece prazo para os juízes cumprirem suas atribuições legais, como faz para os advogados. A pergunta, feita em tom de indignação, vem sempre à cabeça quando, atropelados pelos afazeres do dia a dia, temos de correr para cumprir prazos processuais na defesa dos interesses dos nossos clientes. Corremos para cumprir prazos, somos duramente punidos se não os cumprimos e não raro aguardamos meses por decisões judiciais que nos parecem urgentes, sabendo que os juízes não têm prazos a cumprir.
Mesmo que não decorra do estudo do Direito Processual e dos seus fundamentos teóricos, a resposta vem-nos naturalmente com a experiência profissional e a compreensão que passamos a ter, com o tempo, de que a cada um cabe um papel no processo e na vida. Aos juízes é dado o direito de decidir o destino das pessoas, das empresas e das instituições a partir da formação de suas convicções. E espera-se que elas sejam sedimentadas com conhecimento, serenidade e segurança. Não seria razoável que a lei fixasse prazo para que o julgador formasse a sua convicção - não é algo que se possa aferir com o calendário. O tempo razoável para a formação da convicção é o considerado necessário por quem deve formá-la. A liberdade para o exercício dessa nobre atribuição não pode ser restringida, deve ser completa e irrestrita. Constitucionalmente, a todos são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
Assim é que, ao mesmo tempo que os juízes e tribunais não têm prazo para decidir, os cidadãos (partes) têm o direito de receber a prestação jurisdicional com a rapidez adequada. É um sistema que se completa no processo judicial, cada um cumprindo o seu papel, usando o direito que lhe cabe e exigindo do outro o cumprimento de suas atribuições. Tudo deve ocorrer da forma mais rápida possível, sendo certo, contudo, que o objetivo maior é a busca da justiça.
Pode-se ter como certo que a demora na tramitação dos processos e a lentidão da Justiça não decorrem da ausência de prazo para que os juízes e tribunais decidam. Ante a indignação dos advogados quando, por exemplo, um julgador pede vista de um processo e interrompe determinado julgamento, deve-se ter sempre como justificativa a necessidade de mais tempo para a formação da convicção e, portanto, de uma decisão mais acertada.
Situação semelhante é a que estamos vivendo nesses dias no que diz respeito à escolha pelo presidente da República do 11.º ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). Desde a aposentadoria do ministro Eros Grau, em 2/8, o tribunal funciona com dez membros, pois o presidente ainda não escolheu seu substituto. Há uma certa indignação, em alguns setores do meio jurídico, pela "demora".
A Constituição federal, no artigo 101, parágrafo único, estabelece que é competência privativa do presidente da República a escolha e nomeação de ministros do STF, depois de aprovados pela maioria absoluta do Senado Federal. Mas não estabelece prazo para a escolha do presidente.
O não estabelecimento desse prazo leva a crer que a liberdade do presidente deve ser percebida como algo necessário à formação consistente de sua convicção (escolha). Não há aqui meia liberdade e não há por que atribuir ao presidente a responsabilidade por eventuais dificuldades de funcionamento do Supremo.
É verdade que em julgamentos recentes, e o mais rumoroso foi o da constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa, o STF teve dificuldade de decidir, fato agravado pela ausência do 11.º ministro. Neste caso específico, a votação terminou em 5 votos a 5, prevalecendo decisão anterior do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O STF, ao decidir que deveria prevalecer a decisão do TSE, cumpriu seu papel e supriu a lacuna deixada pela ausência do ministro não nomeado.
O STF tem número ímpar de membros para impedir o empate, tornar decisões viáveis e evitar impasses, mas a existência momentânea de número par de ministros exige a tomada de decisão alternativa. E foi o que ocorreu, tudo dentro da normalidade.
É por demais forçoso interpretar a não escolha do presidente como interferência indevida no funcionamento de outro Poder, como se a ele fosse imposta a necessidade de observar as exigências internas e passageiras do órgão judiciário, e não as decorrentes da formação de seu próprio juízo. O atual presidente da República, no exercício de suas atribuições constitucionais, já escolheu e nomeou sete ministros, cada um a seu tempo. A escolha do próximo ministro, como a dos demais, é ato discricionário do presidente, que ao editá-lo deverá, mais do que tudo, observar os balizamentos constitucionais e o tempo necessário para a formação de sua convicção.
Não é razoável exigir do presidente o cumprimento de prazos inexistentes no ordenamento jurídico, como se isso fosse o suficiente para facilitar o julgamento de questão jurídica complexa e de grande relevância.
O desejável é que a decisão do presidente ocorra em tempo razoável, como deve ser o tempo de tramitação dos processos e das decisões judiciais. A razoabilidade deve ser entendida como componente indissociável da discricionariedade do ato presidencial. Aqui, o juiz é o presidente.
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